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Avenida Paraná 5m de leitura

A rainha das mentiras

ATUALIZAÇÃO
19 de maio de 2017

por Paulo Briguet
AUTOR

José Monir Nasser dizia que existem basicamente quatro tipos de mentira: social, utilitária, patológica e existencial. A mentira social, frequentemente inofensiva, é aquela que a gente conta para não ofender a outra pessoa; por exemplo, para a moça do telemarketing. Com a mentira utilitária, a coisa fica mais séria: é a mentira destinada a produzir alguma vantagem prática. Exceto por um motivo muito nobre — por exemplo, salvar uma vida —, a mentira utilitária nunca é defensável. Mentira patológica, como o próprio nome diz, é a doença do Pinóquio: há pessoas que simplesmente não conseguem ficar um minuto sem dizer uma lorota.

A rainha de todas as mentiras, no entanto, é a mentira existencial.

Ouso dizer que a mentira existencial é um dos maiores problemas do nosso tempo. Ela ocorre quando a pessoa acredita ser algo que não corresponde à sua própria essência. Essa mentira — que também podemos chamar de coletivista ou absoluta — passa a ser considerada mais verdadeira que a própria realidade. É como se existisse um gênio enganador que ocultasse ao mentiroso as verdades sobre ele mesmo e sobre o mundo que o cerca.



Quando a mentira existencial se estabelece, temos o império do autoengano, o reino do imbecil coletivo, a prisão da ideologia. O mentiroso existencial age como se soubesse o que não sabe e como se não soubesse o que está careca de saber. Ele mente, antes de tudo, para si mesmo; e crê cegamente na própria inverdade.

Há pessoas que vivem o tempo todo mergulhadas na mentira existencial, e em nosso tempo elas são cada vez mais numerosas. Tornam-se cúmplices perfeitos para os psicopatas, os corruptos, os ditadores e os bandidos de toda espécie. Algumas vezes, o mentiroso existencial desconfia que está enganando a si mesmo, mas logo acontece como naquele poema de Fernando Pessoa: no momento em que vai tirar a máscara, o sujeito descobre que a máscara está colada ao próprio rosto. Em seguida, mais do que depressa, aparecem hordas de outros mentirosos para convencê-lo de que a máscara é o verdadeiro rosto.

O mentiroso existencial é sempre um escravo da coletividade e da opinião alheia. Ditaduras como as do comunismo e do nazi-fascismo jamais conseguiriam existir sem o apoio das legiões de mentirosos existenciais. As tiranias modernas caracterizam-se por uma elite de psicopatas a comandar militantes histéricos, viciados em fingir ser quem não são. Quando pilhado em flagrante delito, a primeira reação do mentiroso é culpar "a sociedade".

A boa notícia é que a mentira existencial tem cura. O remédio — não sou eu que digo, mas a sabedoria dos séculos — está na busca da transcendência, na procura pelo coração divino ao qual podemos nos unir, como os galhos se unem à árvore da vida. Afinal, para Deus ninguém mente. O sentido da existência, como ensinava o grande Viktor Frankl, necessariamente se situa além de nós, transcende o nosso ego, embora só possa ser alcançado mediante uma decisão individual. Uma decisão que é sua, e de mais ninguém.

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