Se for para amar, que o amor seja maior do que a vida. Essa é a ideia e assim vem sendo há 111 anos, desde que alguns operários, no Bom Retiro em São Paulo (no cruzamento das ruas Cônego Martins e José Paulino), em 1º de setembro de 1910, fundaram um time de futebol inspirado na equipe inglesa que, então, excursionava pelo Brasil. Nascia, assim, o Corinthians Paulista e, amigos, creiam-me: o mundo nunca mais seria o mesmo daí em diante...

Imagem ilustrativa da imagem ESPAÇO ABERTO - Cento e onze anos depois...
| Foto: Rodrigo Coca/Eleven/Folhapress

O surgimento do Corinthians na primeira década do século XX coincide com o início da popularização do rádio enquanto mídia de massa e essa simbiose fez bem para um e ajudou o outro, suposto que paixões populares sempre se completam, jamais se excluem. Se não me imagino sem o rádio, tanto quanto não concebo as ondas do dial sem o Corinthians – até porque foi onde tudo começou...

O mundo no início do século XX era muito diferente e as diferenças de então não alimentavam o malgrado fulanizador e idiossincrático de nossos dias de fake news e de influentes digitais, onde personificamos (eu não cara-pálida) mitos e ensaiamos a retomada de equívocos seculares. Importante em 1910 era a passagem do cometa de Halley e a campanha civilista de Rui Barbosa – o cometa você conhece, já a empreitada de Rui...

A civilista foi a primeira campanha eleitoral à presidência da república e deve ser compreendida em seus próprios limites (república velha). Sua alcunha (civilista) se deve a proposta de um civil como candidato à presidência, em oposição à candidatura de um militar...

Mas não será de política que falarei aqui e sim do Corinthians – que é imensamente maior, melhor e mais importante que qualquer conjuntura circunstancial que se possa imaginar.

Impossível prever naquele primeiro de setembro o alcance da boa nova, ainda que esta viesse anunciada na poeira cósmica deixada pelo rastro do cometa (eis o primeiro barrilete cósmico!). Assim vem sendo o Corinthians, todavia: magia e entrega na composição da maior história de amor da era moderna...

Romeu e Julieta? Esquece; o próprio bardo saxão limitou a paixão do casal à má querença de Capuleti e Montecchi. As duas famílias, todavia, somadas em suas descendências, não enchem um Pacaembu – quiçá lá ponham uns dez mil oriundi...

Heathcliff e Catherine? Deixe estar que madame Brontë podia entender de vento, mas desconhecia a paixão em estado bruto que o jogo de bola desenha – tanto que, para a inglesa, o uivo não exalava senão a dor do tempo passando na cobrança da vida que segue se desencontrando em suas diferenças...

Elizabeth Bennet e Fitzwilliam Darcy? Fala sério. O nome do cara é esse mesmo? Nem dá para a saída. Madame Austin limita sua história à Inglaterra vitoriana, já o Corinthians vai além de qualquer período histórico ao ensaiar a própria história, tisnando em alegria a dor de ser, perpassando em vários atos e por várias partituras a ideia de felicidade, ao tempo em que redesenha um mundo em preto e branco. Ademais, Elizabeth é a segunda irmã de uma série de cinco e, convenhamos: ainda que mágico o número em si (Freddy Rincón vestia a cinco, crianças), ele não é sequer uma valência a ser considerada em nossas fileiras...

Florentino Ariza e Fermina Daza? Rio muito da ideia. É fato que minha relação com Garcia Marquez conjura amor (Gabo é Gabo e ponto final!) e ódio (jamais o perdoarei por ter me roubado Cem Anos de Solidão – um dia esclareço), mas isso não desnatura o estado de cousas que importam à questão central do casal: A cólera foi vencida, o Corinthians não. Além disso, Florentino não poderia ser poeta, telegrafista e violinista a um só tempo. Um pouco demais, lembra camisa de três cores e vocês sabem o que dela se fala...

Jivago e Lara? Para. Pasternak não conseguiu vencer a revolução Russa. Iria encarar o Chelsea na terra do sol nascente e voltar para casa bicampeão mundial (reconhecido pela FIFA)? Invadiria o Maracanã em 1976, colocando 70 mil fiéis em suas arquibancadas? – chupa Malafaia!

Gatsby e Dayse? Esquece, tanto quanto. Fitzgerald ao desconstruir a frivolidade da elite econômica dos pilgrins, festa após festa, não conseguiu estabelecer qualquer conquista a ser lembrada em sua história de namorados. Nós outros de Parque São Jorge, ao ficarmos de 1955 a 1976 sem vencermos o campeonato que importava à época (Paulistão!), não deixamos de marcar nossa história crescente de maior torcida do mundo.

Somos, sim, a maior história de amor já escrita, com a filigrana de ainda estarmos a escrevê-la, sob todas as coisas, acima de bem e mal e muito além dos contos de fadas e dos desencontros que a vida cerze. Temos uma fadinha skatista a nos lembrar que as paixões sempre se renovam, ao ponto em que o amor pelo Corinthians é eterno!

A magia de ser parece entender que a fantasia, para o Corintiano, é plural. Assim, abundantes, seguimos engrandecidos dessa alegria passional embrutecida a ressignificar uma existência no limite, alimentando as centelhas de vida que a felicidade espraia – eis a origem dos boatos recentes que apontam os coacervados, sustentando sua linhagem colorida em preto e branco desde sempre. O resto é só história – e que história...

A boca pequena há quem diga que Beethoven só escreveu sua Ode a Alegria (9ª sinfonia) por não conhecer a Fiel torcida. Em conhecendo sua música seria ainda mais espetacular e espetaculosa – afinal, de espetáculo ninguém entende mais do que a gente...

Nessa linha manja a Capela Sistina? Ok, não quero polemizar. Respeito muito os italianos e seu catenaccio, mas Michelangelo, Rafael, Perugino e Botticelli não levariam a melhor diante de Jango, Brandão e Dino (nem que a vaca tossisse). E por ocasião de nosso contra-ataque? Eles marcariam Cláudio, Luizinho, Baltazar, Carbone e Mário? Vai chupando essa massa, vai...

Enfim e para lindar um enredo que já enfileira uns 10 gols para a gente, sem que o adversário tenha feito sequer o seu de honra, não reeditando a proeza do Tiradentes do Piauí que, nos anos 80, perdeu de 10 a 1 para o Timão, lembro a própria história da civilização é menor que a do Corinthians.

Encaminho o raciocínio: viver é lutar, crianças. Nosso passado contabiliza sangue e morte a emoldurar as tragédias da vida. Esse rio de lágrima se esparramou pela terra na apostoloção de guerras – ora santas, ora higienistas, mas todas hipócritas e tisnadas pelos mais prosaicos e indeléveis motivos que a própria história conta.

Das guerras, todavia, não guardamos a vida e sim a morte, eis que aquela não é senão consequência desta, na medida em que muitos morreram para outros tantos viverem. O Corinthians, por este prisma, vence a morte a cada final de semana (quem sofre são os outros, bebê!). Seja porque a reinvenção da alegria é preta e branca, seja porque neste mundo distópico a apoteose dos sonhos felizes mora na zona leste – ‘é nóis’.

Obrigado Corinthians, por me fazer mais feliz do que poderia imaginar. Ser corintiano me faz especial a ponto de atrapalhar os demais torcedores, nos lindes da fala do apedeuta que está ministro da educação – é que felicidade em demasia desnatura a dose diária de mediocridade que o dia cobra de sua contemporânea quinta coluna.

Saudade Pai. Você sempre será o maior de todos.

Alegres e abençoados trópicos – afinal o Corinthians é fantasia em estado bruto!

João dos Santos Gomes Filho

Um Corintiano

A opinião do autor não reflete, necessariamente, a opinião da Folha de Londrina.

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