.
. | Foto: Shutterstock

Atualmente, buscar identidade e conexão com as alternativas que se tem no mercado é uma tendência. Isso vai desde a compra de um produto, e por isso as marcas investem cada vez mais em posicionamento e representação, como até as escolhas para a própria vida. Buscar valor e sentido para o que se faz tem se tornado cada vez mais comum e, para alguns, até mais significativo que o retorno financeiro. Mas encontrar o seu propósito de vida não é tão simples.

“Autoconhecimento é a base, mas não é algo que você estale os dedos e enxergue, é um processo da própria vida”, afirma Cinara Bastos, designer fundadora do Grupo View e da Lumin’area - laboratório da consciência e desenvolvimento humano. Para ela, o assunto exige profundidade. Mas de maneira simples explica que atingir o propósito exige se conhecer e reconhecer os valores inegociáveis sob os quais as pessoas pautam sua existência.

Valor, missão, vocação, necessidade, escolhas, muitos temas são abordados quando se fala do encontro com a própria jornada. Mas também é importante considerar que a vida possui múltiplas camadas. "'Que tipo de valor eu quero fortalecer para viver melhor?', buscando também ter consciência das necessidades de cada fase. ‘O que a vida me pede nesse momento?’”, questiona. Isso porque cada fase tem suas urgências e talvez seja necessário adiar alguns sonhos. “Enquanto estou cuidando do básico, vou administrando meus recursos não só financeiros, mas também os internos..., e vou construindo essa ponte até onde eu quero chegar.”

REALIDADE E FANTASIA

É muito fácil cair na falsa ideia de um “trabalho perfeito” e, por isso, algumas pessoas desistem ou se frustram quando vão executar seu plano de transição profissional. Neste caso, ter um propósito faz diferença. “Se eu vejo sentido no que faço, se eu me conecto ao propósito, ele me trará a força para lidar com o que vier. Ao ter clareza sobre ele, e fazendo os alinhamentos necessários, é possível que nem precise mudar de área!”, afirma.

MITOS

O discurso do passe de mágica de quem encontrou sentido na vida também precisa ser analisado. “Tem gente que fala que está muito melhor, mas você não sabe se é superficialmente, não sabe como a pessoa está por dentro. Outras realmente não gostavam nada do que faziam anteriormente, então qualquer outra coisa poderia servir”, alerta para algumas situações.

VALORES

Ir de encontro com seus valores fortalece a caminhada, pois nem sempre seus objetivos estarão de acordo com o padrão social. “Valor é aquilo que de alguma forma sustenta o seu encantamento pela vida, aquilo pelo qual vale a pena lutar, que traz um sentido”, explica. É essa certeza que faz com que as escolhas não sejam impactadas com movimentos externos e acabe tomando caminhos errados. “Quantas pessoas chegam a esse ideal de sucesso compartilhado com a maioria e aí descobre: ‘eu tenho tudo isso, mas e agora? Parece que ainda não tem sentido a vida'. A sensação de vazio continua”, exemplifica.

COMO ENCONTRAR?

A meditação é recomendada, mas esse é só um dos exercícios dos inúmeros que podem auxiliar nesse processo. Olhar para a infância e analisar os interesses naturais de quando se é criança também ajuda. Assim como buscar os sonhos da adolescência e as frustrações, procurando identificar nas experiências de vida o real valor intrínseco, separando o que era estímulo externo do que era genuíno de cada um.

São atividades que cada pessoa deve fazer por si só. “Ninguém pode chegar para uma outra pessoa e dizer: ‘o teu propósito é X, tua missão é Y’”, observa. Por isso, em sua proposta de trabalho, a designer utiliza a maiêutica, método socrático de perguntas específicas e provocativas, como um dos exercícios.

Mesmo assim, Bastos defende que encontrar o propósito é um processo vivo, que se altera. “Não é uma resposta, é uma direção. Mas é naturalmente o caminho das nossas necessidades mais essenciais, que cada um vai procurar do seu jeito, no seu tempo, com os instrumentos e recursos que tem disponível no momento.”

'AGORA QUERO MAIS QUALIDADE DE VIDA'

Cinara Bastos: “Se eu vejo sentido no que faço, se eu me conecto ao propósito, ele me trará a força para lidar com o que vier"
Cinara Bastos: “Se eu vejo sentido no que faço, se eu me conecto ao propósito, ele me trará a força para lidar com o que vier" | Foto: Divulgação

O plano B não precisa ser uma mudança brusca. Algumas vezes é só um aprofundamento naquilo que já se tinha conquistado. Foi o que houve com Cinara Bastos. Após longa experiência em atendimento às empresas, decidiu desacelerar para servir melhor ao seu propósito e a seus clientes.

Isso porque sempre levou uma vida muito agitada desde a faculdade. “Sou muito apaixonada pelo que eu faço, qual seja a coisa que eu esteja fazendo. Eu, já na adolescência, tinha certeza que queria cursar duas faculdades, porque uma só para mim era pouco...”, ri ao falar do entusiasmo que tinha pelo design e pela filosofia, áreas escolhidas.

Mas nem sempre foi muito certo. Bastos viveu a frustração de não poder levar seu plano A assim que terminou a faculdade. “Meu plano A era ficar em São Paulo. Mas, por uma situação de contingência econômica, eu fui obrigada a voltar em uma época em que ninguém falava em design aqui em Londrina”, recorda. Os primeiros dias foram terríveis, choro, desencontros e desafios, até fazer sua primeira análise consciente sobre as oportunidades do momento e começar um trabalho que era novo na região, primeiro como colunista da Folha de Londrina, depois com a sua agência de branding.

CURIOSIDADE GENUÍNA

Entender seu potencial e não negar suas habilidades a levou para caminhos ainda mais profundos. Não era mais sobre escolher plano A ou plano B, filosofia e design caminharam juntos para um trabalho diferenciado. “Eu tinha uma curiosidade genuína quando ia tomar os briefings para os projetos: ‘por que esse empresário resolveu empreender nessa direção e não em outra?’; ‘qual é o sonho dele?’, ‘o que está dentro dele, essa imagem intangível que a gente vai ter que encontrar e expressar visualmente?”, menciona.

Questões que sempre estiveram presentes, mas não de forma tão explícita. Bastos conta que, como ela, muitas pessoas vivem o fenômeno do peixe no oceano. “O peixe nadando naquele infinito procurando por água. Já está na água! A minha água era essa compreensão”, cita. Foram 25 anos funcionando em um modelo clássico de empresa até optar pela mudança. “Nos projetos eu já tratava do propósito, mas isso não era o que o cliente buscava. As pessoas me procuravam pelo resultado visual e prático, para configurar a imagem do seu produto ou serviço. Só isso.”, afirma.

Não que estivesse infeliz, mas a vida muda, as pessoas mudam e a paixão vai despertando para aprofundar-se em seu próprio caminho. Depois de décadas em uma vida acelerada, acostumada a trabalhar com planejamento, criou um novo modelo de trabalho que não considera um plano B, mas uma transição natural. “Eu também estava entrando em outro momento de vida pessoal. Por 10 anos eu dormia três ou quatro horas por noite, isso você não aguenta se não for apaixonado e não ver sentido no que faz”, afirma. “Sou muito grata por tudo que a gente conquistou como equipe, mas eu fui percebendo que eu não teria essa mesma energia para sempre. Agora eu quero mais qualidade de vida”, acrescenta.

'É DELICIOSO!'

Foi um processo de escuta de si mesma. Além das competências práticas do trabalho, como especializações e novas formações, também trabalhou as competências internas. Buscou formação em coaching e em metafísica fora do Brasil, e outros conteúdos que foram fundamentais para esse nível de compreensão sobre suas escolhas sem mudança brusca de A para B.

“Não era uma questão de gostar ou não do que eu fazia, eu amo isso até hoje, eu vibro, é delicioso! Foi um mergulho mais fundo na consciência de que eu não vou estar aqui para sempre, e o que eu tenho de mais precioso é o ‘tempo de vida’”, exemplifica. Os ajustes dependeram de planejamento. “Que bom que me planejei com abertura e flexibilidade, porque isso me permitiu ir ‘dançando com a vida’ e enxergar as oportunidades nos momentos de crise”, revela.

LEIA TAMBÉM:

- O que considerar na elaboração do plano B?

- Plano B em ação

- Boas escolhas sem angústia