| |

Últimas Notícias 5m de leitura

Livro explica trechos da obra de Machado de Assis com referências ao direito

ATUALIZAÇÃO
17 de setembro de 2021

FREDERICO VASCONCELOS
AUTOR

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Machado de Assis era mulato, gago, epiléptico e pobre. "Tinha tudo para não dar certo", diz o advogado Miguel Matos, editor do informativo jurídico Migalhas. Matos pesquisou a obra completa do maior escritor brasileiro e elaborou o "Código de Machado de Assis".

O jornalista contextualizou trechos de romances, contos e crônicas com referências ao direito. É uma leitura agradável, com frases curtas. Os textos de Machado reproduziam a oralidade limitada pela gagueira, segundo Matos. O livro tem 116 códigos QR que remetem o leitor à imagem original dos artigos.

Filho de um caseiro e de uma lavadeira, Machado não conseguiu frequentar universidades. Critica a ambição pelo diploma, trampolim social no Rio de Janeiro do final do século 19 e início do 20.

Machado nunca exerceu a advocacia, foi autodidata. Mas dominava os procedimentos legais. Funcionário público, em 1873 elaborou pareceres e contratos. Em 1879, ajudou a reformar a legislação sobre terras devolutas. Defendeu a eleição direta, em 1865; o voto feminino, em 1877.

"Era o cronista do cotidiano, apreciava o júri", diz Matos. Ele cita 80 personagens advogados, 38 bacharéis, 23 desembargadores e 18 juízes. Havia um rábula.

Através dos personagens, o bruxo do Cosme Velho zomba da Justiça. Relata traições de sócios e amantes; reclama da morosidade da Justiça e das chicanas. Com refinado humor, ironiza bacharéis e advogados, como revelam os exemplos a seguir.

ALGUMAS SÚMULAS

O pai do jovem Nicolau, desejoso de ver o filho em boa posição literária, o despacha para a Academia de Direito de São Paulo em busca do diploma de bacharel. "Nicolau saiu sabendo pouco mais ou menos o que sabia antes de lá entrar." "Uma loureira", conto.

Dr. Matos "não ganhou o pecúlio que possuía professando a botânica ou a meteorologia, mas aplicando as regras do direito que ignorou até a morte". "Helena", romance.

Um advogado diz que só perdeu uma causa porque, nas vésperas de ganhar, o constituinte disse que desejava perdê-la. "Provei o contrário do que já tinha provado, e perdi... ou antes, ganhei, porque perder assim é ganhar." "A mulher de preto", conto.

Camacho era um advogado muito moço, uma vantagem a aproveitar, "enquanto ele não exige que lhe paguem a fama". "Quincas Borba", romance.

O advogado Dr. Valença compreendeu que "a primeira condição para merecer a consideração dos outros era ser grave". Com abdome proeminente, "precisa ter os movimentos tardos e medidos", diz o escritor. "As bodas de Luís Duarte", conto.

O médico Simão Bacamarte monta um hospício, interna a população, inclusive Salustiano, o mais probo dos advogados. O alienista viu que "era perigoso deixá-lo na rua". Um réu que falsificou um testamento confiou a causa a Salustiano. O advogado provou que o documento "era mais que verdadeiro". Salustiano "deu provas de improbidade, o que o salvou". "Não poderia ser internado como louco, pois era um advogado 'machadianamente' normal", diz Matos. "O alienista", conto.

TRAIÇÕES E EMBARGOS

Há vários triângulos amorosos na obra de Machado. O advogado Matias descobre que a esposa o traiu com o sócio de banca. ("Último capítulo", conto). Em outro triângulo, eis Camilo, funcionário público, no vértice, e o casal Vilela e Rita, na base. Advogado, ex-magistrado, Vilela no final mata Camilo. "O rapaz era abusado", diz Matos. ("A cartomante", conto).

Matos propôs desvendar o mistério de Capitu no romance "Dom Casmurro": ela teve (ou não) um caso extraconjugal com Escobar, o melhor amigo de Bentinho?

Bentinho foi um bom advogado, "coisa raríssima nos causídicos machadianos", diz Matos. O advogado se engraçou com a vizinha Capitolina, ou Capitu. No início, não tiveram filhos. Certa noite, Bentinho vai ao teatro sem Capitu. Voltou no fim do primeiro ato e topou com Escobar "à porta do corredor".

Escobar disse ter vindo tratar "dos embargos". Machado dá ao capítulo o título de "Embargos de terceiro", recurso repetido no romance "A Mão e a Luva", no qual Guiomar tinha três pretendentes.

Foi a chave para decifrar o código. "Capitu traiu Bentinho", sentencia Matos.

Ao longo do livro, Miguel Matos conversa com o leitor, no mesmo estilo informal com que o site Migalhas trata dos fatos relevantes da Justiça.

CÓDIGO DE MACHADO DE ASSIS

Preço R$ 184,60 (592 págs.)

Autor Miguel Matos

Editora Migalhas

PUBLICAÇÕES RELACIONADAS