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Biden e Macron botam panos quentes em relação diplomática após crise dos submarinos (1)

ATUALIZAÇÃO
22 de setembro de 2021


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BAURU E SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A Casa Branca e o Palácio do Eliseu divulgaram nesta quarta-feira (22) um comunicado conjunto em que afirmam que os presidentes dos EUA, Joe Biden, e da França, Emmanuel Macron, concordaram em abrir um processo de consultas aprofundadas "para garantir a confiança e propor medidas concretas em direção a objetivos comuns".

O documento diz que os dois líderes conversaram por telefone, a pedido do americano, "a fim de discutir as implicações do anúncio de 15 de setembro". Na data mencionada, os EUA divulgaram um acordo realizado com Reino Unido e Austrália para a construção de submarinos nucleares, batizado de Aukus, que deu origem a uma crise diplomática entre Washington e Paris.

O problema para os franceses é que a nova parceria australiana com americanos e britânicos representa o cancelamento de um contrato assinado entre Austrália e França em 2016, que chegaria a US$ 90 bilhões (R$ 475 bilhões, pelo câmbio atual). O acordo também é um golpe para as ambições de Paris de fortalecer sua presença na região do Indo-Pacífico, palco de disputas territoriais —entre outras— envolvendo a China.

O comunicado afirma que Biden e Macron concordaram que "a situação teria sido beneficiada por consultas abertas entre aliados sobre questões de interesse estratégico para a França" e outros parceiros europeus dos EUA.

Na semana passada, o líder americano havia mencionado a França como “parceiro e aliado-chave”, mas o ministro das Relações Exteriores francês, Jean-Yves Le Drian, disse que o anúncio do acordo "foi uma punhalada nas costas" e que Biden agiu como o ex-presidente Donald Trump, de maneira " unilateral, brutal, imprevisível".

Segundo a declaração conjunta, Biden e Macron concordaram em se encontrar na Europa no final de outubro, e o francês decidiu que seu embaixador retornará a Washington já na próxima semana, um gesto diplomático que bota panos quentes na relação entre os dois países. No jargão das relações internacionais, convocar um embaixador é um movimento que expressa forte insatisfação com o país que abriga os diplomatas.

É possível que os dois líderes se reúnam por ocasião da cúpula do G20 na Itália, marcada para os dias 30 e 31 de outubro, mas funcionários da Casa Branca disseram ao jornal New York Times que o encontro pode ocorrer de forma separada, como um passo para reparar os danos provocados pela crise.

O texto disse ainda que Biden "reafirma a importância estratégica do envolvimento francês e europeu na região do Indo-Pacífico" e que os EUA reconhecem a "importância de uma defesa europeia mais forte" complementar à Otan (aliança militar do Ocidente).

A Presidência francesa ainda não se pronunciou após o telefonema, mas, do lado americano, a secretária de Imprensa da Casa Branca, Jen Paski, classificou a ligação como amistosa. "Estamos esperançosos, e o presidente está esperançoso que esse seja um passo para a volta ao normal de um relacionamento longo, duradouro e importante."

Questionada se Biden teria se desculpado, uma das expectativas expressadas por Macron por meio de seu porta-voz, ela se limitou a dizer que o americano "reconheceu que poderia ter havido uma consulta mais aprofundada".

Apesar do clima descrito pela porta-voz de Washington, antes do telefonema, a ministra da Defesa francesa, Florence Parly, declarou que o Aukus mostra que “não existe diálogo político” dentro da Otan (aliança militar ocidental), durante uma sessão de perguntas na Assembleia Nacional nesta quarta.

Ainda assim, apesar da pressão de adversários políticos para que Macron deixe a aliança, a ministra rejeitou a ideia. “Vale a pena fechar a porta para a Otan? Acho que não.”

Enquanto Macron e Biden caminham para acertar as diferenças, a relação de Paris com Canberra, por outro lado, segue estremecida.

Nesta terça, o porta-voz do Ministério da Defesa, Hervé Grandjean, escreveu uma série de postagens no Twitter sobre o assunto, na qual afirma que, no mesmo dia do anúncio do Aukus, a Austrália escreveu para a França para dizer que “estava satisfeita com o desempenho alcançável pelo submarino e com o desenvolvimento do programa”. “Em resumo: avança para o lançamento da próxima fase do contrato.”

As declarações vêm após a França, ao convocar seus embaixadores para consultas na sexta, acusar a Austrália de mentir sobre a ruptura do contrato. No domingo, o primeiro-ministro australiano, Scott Morrison, rebateu as declarações de Paris.

"Acredito que tinham todas as razões para saber que tínhamos profundas e graves reservas sobre o fato de as capacidades do submarino de classe Attack não responderem aos nossos interesses estratégicos e deixamos muito claro que tomaríamos uma decisão em função de nosso interesse estratégico nacional", declarou Morrison em coletiva de imprensa em Sydney.

No meio da troca de animosidades, Boris Jonhson, premiê do Reino Unido, que também faz parte do acordo, pediu que a França se acalme e defendeu o acerto estratégico. Esta aliança “não é exclusiva, não tenta excluir ninguém e não pretende se opor à China, por exemplo”, pontuou. “Busca intensificar os laços e a amizade entre três países de uma forma que será benéfica para as coisas em que acreditamos.”

A aproximação, no entanto, é mais um sinal de que Biden resolveu acelerar a estruturação de um arcabouço visando conter estrategicamente a China nos mares por onde passam exportações e importações de Pequim.

Para Boris, o acordo é, ainda, “um grande avanço para a segurança mundial”. “São três aliados que compartilham os mesmos valores, que se unem e criam uma nova aliança para compartilhar tecnologia.”

A questão tecnológica foi justamente uma das justificativas da Austrália para abandonar o acordo com a França. A principal diferença entre os submarinos construídos por Paris e os novos propostos é a tecnologia de propulsão.

As embarcações francesas teriam motores elétricos carregados por geradores a diesel, o que exige que retornem à superfície regularmente para acionar os motores diesel e recarregar as baterias. Já os submarinos de propulsão nuclear são construídos para durar muito, com o reator capaz de funcionar durante décadas antes de ser reabastecido.

Há outras diferenças, como a "invisibilidade" dos submarinos nucleares e a capacidade bélica que proporcionam.

Ainda assim, o porta-voz da Defesa francesa defendeu a tecnologia oferecida à Austrália. “O submarino proposto era de classe oceânica, o que significa que possui autonomia e capacidades de alcance muito altas.” Grandjean ressaltou ainda que as primeiras embarcações seriam entregues em 2030, enquanto o Aukus prevê a conclusão em 2040. “Isso é bastante tempo quando se observa o quão rápido a China está se militarizando.”

A partir de 2014, Xi militarizou atóis e ilhotas, clamando para si 85% das águas da vasta região, no que foi desafiado em fóruns internacionais até agora com sucesso por países como as Filipinas. Na prática, contudo, a China fincou sua bandeira.

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