"Tem uma série de detalhes que a gente considera antes de indicar a cirurgia", explica o oncologista e mastologista chefe do Serviço de Ginecologia e Mama do hospital, José Clemente Linhares
"Tem uma série de detalhes que a gente considera antes de indicar a cirurgia", explica o oncologista e mastologista chefe do Serviço de Ginecologia e Mama do hospital, José Clemente Linhares | Foto: Marcelo Andrade/Divulgação



O avanço do uso da tecnologia em cirurgias permitiu que o Hospital Erasto Gaertner, em Curitiba, entrasse para a história. No final de janeiro, uma paciente foi submetida à retirada total de mama em um procedimento realizado por um robô. A mastectomia por meio do Sistema Cirúrgico Robótico é inédita no Brasil e representa um grande passo na evolução da oncologia no País. Além de menos invasiva, a recuperação da paciente é mais rápida e a grande vantagem é o resultado estético. A técnica deixa apenas uma pequena cicatriz na axila e possibilita que a reconstrução fique bem próxima do natural.

A técnica de enfermagem e estudante de enfermagem Diocelia Boico Pazio, 39, foi a paciente selecionada pela equipe do hospital para estrear a técnica. Em 2016, ela foi diagnosticada com câncer na mama direita e, além da quimioterapia e da radioterapia, passou por uma cirurgia na qual foram retirados 50% do órgão. Em 2018, um mapeamento genético apontou uma grande possibilidade de ela vir a ter câncer na mama esquerda, que já estava com nódulo, e os médicos indicaram a mastectomia preventiva. "Eles me chamaram para conversar, disseram que a cirurgia poderia ser feita por robô e eu topei ser a cobaia", brincou.

Depois de passar por todos os exames pré-operatórios, a cirurgia foi marcada para o dia 29 de janeiro. Ao entrar no centro cirúrgico, Pazio confessa ter sentido medo. "Era uma sala com muita gente assistindo, muito material de entubação, reanimação, fiquei um pouco nervosa. Achei que era muito arranjo para uma cirurgia. Hoje estou com 20 dias de operada, já estou na faculdade, estudando, me sinto normal. Tomei antibiótico por sete dias, mas não precisei de remédio para dor", contou. no dia e, que conversou com a reportagem.

"Eles me chamaram para conversar, disseram que a cirurgia poderia ser feita por robô e eu topei ser a cobaia", brinca Diocelia Boico Pazio
"Eles me chamaram para conversar, disseram que a cirurgia poderia ser feita por robô e eu topei ser a cobaia", brinca Diocelia Boico Pazio | Foto: Marcelo Andrade/Divulgação



LEIA MAIS:
-Programa de renúncia fiscal custeia procedimentos
-Em três anos, robô Laura atendeu mais de 1,2 milhão de pacientes

Quando compara o procedimento ao qual foi submetida há três anos com o realizado agora, a técnica em enfermagem só aponta vantagens na cirurgia mais recente. "Em 2016 eu sofri muito. Meu pós-operatório foi mais demorado que agora, o corte foi maior. Mesmo não tendo retirado toda a mama, cortou da axila ao mamilo, na horizontal, e fez mais um corte embaixo do braço para retirar os linfonodos. Agora foi só um corte pequeno na axila, na vertical. A reconstrução foi feita no mesmo dia e o resultado ficou muito bom", relatou. "Todo mundo pensa que o impacto do tratamento oncológico é no diagnóstico, mas para mim foi quando perdi cabelo, sobrancelha, unha e, por fim, a mama. É um baque na nossa vaidade. Tenho 39 anos, por mais força que você tenha, tem dia que é difícil."

RESTRIÇÕES
A mastectomia por meio de robô ainda não pode ser realizada em qualquer paciente, sendo limitada a alguns casos específicos. A técnica é indicada para cirurgias profiláticas - quando a retirada da mama é feita para evitar o câncer em mulheres com alto risco de desenvolver a doença no futuro - ou para a remoção de tumores pequenos. O tamanho e a estrutura da mama também são características que restringem a indicação para esse tipo de procedimento. "Tem uma série de detalhes que a gente considera antes de indicar a cirurgia. Se a paciente tiver uma mama caída, que vai ter que retirar a pele para fazer a reconstrução, não precisa ser utilizado o robô porque a retirada da pele vai deixar uma cicatriz de cirurgia plástica e aí não faz sentido. O grande benefício é para mamas pequenas, em mulheres que usam sutiã tamanho 40", explicou o oncologista e mastologista chefe do Serviço de Ginecologia e Mama do Hospital Erasto Gaertner, José Clemente Linhares, que trouxe a técnica da Itália.

A cirurgia de mastectomia com reconstrução tradicional exige uma grande incisão que resulta em uma cicatriz localizada no meio da mama. Além do desconforto estético e do estigma associado a esse tipo de câncer, o procedimento pode prejudicar a circulação. Chefe do Serviço de Cirurgia Plástica do Hospital Erasto Gaertner, Anne Groth explica que com o uso do robô, a parte circulatória fica toda preservada porque é feita apenas uma incisão, na axila. "Eu acredito que vai diminuir muito o risco de ter problemas de circulação e reconstrução. Na cirurgia convencional, dependendo da paciente, a gente pode até perder a reconstrução, o que impede de se manter o implante."

MAIOR PRECISÃO
Groth ressalta que sua grande preocupação ao fazer a reconstrução de mama são as condições do tecido mamário após a mastectomia. "Algumas pacientes têm a camada de gordura bem fininha e, quando tira essa camada, às vezes o que sobra não é o suficiente para o implante que vai colocar. A robótica aumenta várias vezes o campo de visão durante a cirurgia e dá uma precisão muito maior. O que eu percebi é que o tecido que não foi retirado ficou íntegro. A chance de ter problema com o implante é zero e, esteticamente, o resultado é melhor. A precisão e a qualidade do tecido para reconstrução são a grande vantagem da robótica", atestou a médica.

A cirurgiã oncológica e proctor responsável técnica pelo procedimento feito em Diocelia Boico Pazio, Audrey Tsunoda acredita que, no futuro, os avanços das tecnologias em medicina e saúde irão contribuir para tornar cada vez mais natural a cirurgia de mama. "A tecnologia veio para adicionar e aliar os resultados adequados em termos de oncologia e estética. A mulher fica mais motivada e mais aderente ao tratamento", avaliou. "Antes, nem se discutia muito a reconstrução da mama. Hoje já tem leis garantindo a reconstrução e o sucesso do tratamento depende do estado psicológico e emocional da paciente. Quando ela se sente bem e mais bonita do que estava, faz muita diferença", comentou Groth.

CONTINUE LENDO:
LEIA MAIS:
-Programa de renúncia fiscal custeia procedimentos
-Em três anos, robô Laura atendeu mais de 1,2 milhão de pacientes