Para os idosos que moram sozinhos, a solidão sempre foi uma companhia assídua, mas que vez ou outra dava lugar para um encontro com amigos e familiares, almoços festivos e passeios. A pandemia da Covid-19 trouxe para a terceira idade os perigos de uma contaminação e também fez com que a solidão se tornasse uma companhia inconveniente e indesejada.

Antônio Silva, 86, mora em Cambé (Região Metropolitana de Londrina) desde os 23, quando veio de Tupã (SP), contratado para jogar futebol no CAC (Clube Atlético Cambé). Seu Toninho, como é conhecido, tem filhos e netos na cidade. Desde que a esposa faleceu, em 2019, vive na companhia de uma cuidadora. Em um período de cinco anos, seu Toninho encarou muitas perdas: de uma filha, da esposa e, durante o isolamento, de pessoas próximas e também do seu cachorrinho Cheddar, por quem tinha muito carinho.

Seu Toninho: família percebeu o quadro depressivo e decidiu agir
Seu Toninho: família percebeu o quadro depressivo e decidiu agir | Foto: Arquivo familiar

“Quando a doença chegou mais perto da gente e perdemos entes queridos, ele parou de sair e foi entrando em um estado depressivo que foi agravado pela perda do cachorrinho. Isso chegou a alterar os exames clínicos dele. Ele estava até se recusando a se alimentar”, conta a filha Darlene Silva da Silveira.

É muito importante que a família esteja presente na vida dos idosos e consiga perceber mudanças que possam “denunciar” possíveis problemas, como depressão e ansiedade, já que muitas vezes eles não conseguem identificar sozinhos ou não relatam para a família.

Os sintomas de depressão e ansiedade também são diferentes em pessoas mais velhas, como pontua a médica geriatra e professora de medicina da PUC-PR (Pontifícia Universidade Católica), Lindsey Nakakogue. “Às vezes no idoso pode se apresentar como ‘nada está bom’, dores no corpo todo ou simplesmente não querer fazer mais nada com ninguém, ficar isolado. O familiar precisa ficar atento, porque se mudou o comportamento precisa ser investigado”, reforça a especialista, que atua em Londrina.

“Mais de 15 dias desse sentimento de inutilidade, de não ter vontade de fazer as coisas que estava acostumado, de tristeza, muito ou pouco sono, muito ou pouco apetite, são indicativos de que algo precisa ser investigado e que podem ser sim um quadro de depressão ou ansiedade”, acrescenta a geriatra.

RESILIÊNCIA

Nakakogue é orientadora da pesquisa de conclusão de curso de medicina da PUC-PR “Análise de saúde mental de idosos após o período de distanciamento social pela pandemia da Covid-19 em Londrina”, das alunas Gabriela Nagem de Aragão e Maria Victoria Barbetta Itimura. Diferente do esperado, a pesquisa demonstrou que os idosos, comparados com outras faixas etárias de pessoas acima de 18 anos, tiveram uma menor incidência de diagnósticos de ansiedade e depressão.

“Houve aumento? Com certeza. A própria pandemia de ver pessoas próximas falecendo por Covid, de deixar de ver a família, de ir aos eventos, tudo isso contribui, mas pelos trabalhos que temos vistos, aumentou, mas menos do que esperávamos, por causa da resiliência. As inúmeras dificuldades que eles passaram os deixaram mais resilientes”, explica a professora. Os dados são em relação a 2020.

- Samu registra aumento no número de quedas de idosos

APRENDIZADO SEMPRE

Resiliência é uma palavra que a artista plástica Lia Salvany, 78, representa muito bem. Salvany é artista, mas também mãe, avó, já viajou como atriz, terminou o ensino básico já na terceira idade, se formou em pedagogia aos 65 anos e aos 73 passou a participar de um programa de rádio do projeto de extensão Tecer Idades do curso de jornalismo da UEL (Universidade Estadual de Londrina), coordenado pelo professor Régis Moreira.

“Tudo da minha vida me levou a chegar aos 78 anos e estar bem. Eu já vivi muita coisa, já sofri muito nessa vida, mas aprendi e aprendi também que eu sofri porque era egoísta, eu achava que as coisas tinham que ser do meu jeito. Quando as coisas não estão do jeito da gente, a gente acha que está tudo errado. Depois que aprendi isso a vida ficou tão suave,” conta a artista.

 Lia Salvany, artista plástica: “Tudo da minha vida me levou a chegar aos 78 anos e estar bem"
Lia Salvany, artista plástica: “Tudo da minha vida me levou a chegar aos 78 anos e estar bem" | Foto: Gustavo Carneiro/Grupo Folha

Salvany é uma exceção do perfil da maioria das pessoas da sua idade. Além de conseguir se adaptar à realidade da pandemia com sua leveza, bom humor e resiliência, sempre esteve em contato com coisas novas, o que a levou a se interessar por informática e aprender a lidar com as novas tecnologias. “A maioria das pessoas da minha idade não mexe com a questão da tecnologia e está isolada. Tenho amigos que eu quero mandar alguma coisa, mas eles não sabem mexer no WhatsApp ou no Facebook,” comenta.

TECNOLOGIA

A tecnologia tem sido uma ferramenta que ajuda a amenizar os impactos do isolamento social, mas não se adequa a todos os idosos. Esse também foi um dos apontamentos que a pesquisa orientada pela geriatra Lindsey Nakakogue evidenciou. “No grupo que estudamos 60% dos idosos não tinham o ensino fundamental completo, a maioria não ganhava mais que um salário mínimo, então não houve um aumento dessa interação com a tecnologia. Ouvimos falar muito que na pandemia os idosos precisam interagir mais com o celular, com tablets, mas no Brasil 18% da população idosa são analfabetos.”

No caso do Seu Toninho, que também não é fã da tecnologia, nem de televisão, a saída encontrada pela família foi adotar um pet. A cachorrinha Nina devolveu o entusiasmo e a disposição de viver do idoso, que agora tem uma nova companhia para os dias que ainda restam de isolamento social. “Eu comecei a procurar até que apareceu essa filhote para adoção, eu mostrei e ele também gostou. Um dia o levei para ver a cachorrinha, parecia criança quando você dá um presente que estava esperando. O olho dele brilhou na hora, parecia uma flor que desabrochou, é outra pessoa”, conta a filha.

- Pets e os idosos: quais os benefícios dessa interação

EXCESSO DE INFORMAÇÕES

A pesquisa das graduandas em medicina da PUC demonstrou que o excesso de informações neste período de pandemia podem ser prejudiciais aos idosos. “Mais de três horas de informação sobre a pandemia também foi relacionado com o aumento de ansiedade, de medo, desse sentimento de angústia, de pânico e medo de morrer. É importante se manter informado, mas o excesso de informações sobre tudo isso que estamos vivendo também pode ser que seja prejudicial,” destaca a geriatra londrinense Lindsey Nakakogue.

ATIVIDADE FÍSICA

Também é importante que os idosos se mantenham ativos, desde que todos os cuidados de proteção sejam tomados, como o uso de máscara. A prática de exercício físico, como caminhadas, faz bem para o corpo e para a mente, evitando não só quadros de depressão e ansiedade, mas a incidência de outros problemas de saúde que também aumentaram durante a pandemia.

Adeptos da tecnologia ou não, a depressão e ansiedade entre os idosos já era uma realidade de antes da pandemia. De acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), em 2019 a depressão atingia cerca de 13% da população idosa, entre 60 e 64 anos. Com a pandemia não só novos diagnósticos surgiram entre a terceira idade, mas pessoas que já haviam sido diagnosticadas tiveram seus quadros clínicos agravados. Em todos esses casos é fundamental procurar ajuda e alternativas para driblar os sentimentos que podem se tornar prejudiciais.

- Aos 116 anos, moradora de Londrina poderá votar pela primeira vez

PROJETO DA UEL

Para os idosos que precisam e desejam receber apoio psicológico, o projeto Suporte Psicológico Covid-19 da UEL (Universidade Estadual de Londrina) oferece atendimento remoto. “O projeto tem por objetivo prevenir impactos psicológicos e também promover a saúde mental das pessoas que são afetadas indireta ou diretamente pela pandemia da Covid-19”, explica a psicóloga Vanessa Ximenes.

O suporte é oferecido entre uma e quatro sessões de atendimento, mas se necessário podem ser realizadas mais sessões. Se ainda assim não for suficiente, a pessoa pode ser encaminhada para um outro psicólogo de fora do projeto. O projeto atende pessoas a partir dos 18 anos. Das 195 pessoas beneficiadas com as sessões, 18 fazem parte da terceira idade - têm mais de 60 anos.

“Existe uma procura por parte dos idosos e as principais queixas dizem respeito à ansiedade e depressão, com os efeitos do isolamento social. Algo que precisa ser levado em consideração também é que pessoas idosas podem ter um pouco menos de afinidade com recursos tecnológicos, sendo necessário um suporte das pessoas ao redor para que ela consiga realizar a sessão de maneira remota,” explica a psicóloga.

É possível participar do projeto acessando as redes sociais @psicouel.covid no Instagram e Suporte Psicológico UEL COVID 19, no Facebook, ou entrando em contato pelo telefone (43) 99625-5345.

CENTRO DE CONVIVÊNCIA EM LONDRINA

Outra opção para a terceira idade em Londrina são os CCIs (Centros de Convivência do Idoso) de Londrina. As unidades estão com as atividades suspensas por conta da pandemia de Covid, mas para manter o contato com os idosos frequentadores das atividades desenvolvidas pelas unidades foram criados grupos no WhatsApp.

O telefone fixo dos centros também foi disponibilizado para os idosos. Para mais informações: CCIs, de segunda a sexta-feira, das 8h às 14h, pelos telefones (43) 3375-0334 (Oeste), (43) 3375-0307 (Leste), (43) 3375-0307 (Norte).

- Telefonemas e redes sociais contra a solidão na terceira idade

Informações sobre projetos, ações ou outras dúvidas envolvendo a terceira idade também podem ser obtidas com a secretaria do Idoso, das 8h às 17h, pelo telefone (43) 3372-4502 ou no Facebook: Secretaria do Idoso – Londrina (https://www.facebook.com/idoso.londrina).

Receba nossas notícias direto no seu celular! Envie também suas fotos para a seção 'A cidade fala'. Adicione o WhatsApp da FOLHA por meio do número (43) 99869-0068 ou pelo link wa.me/message/6WMTNSJARGMLL1