Laboratório de Genética Molecular Forense da Polícia Científica pretende aumentar número de amostras cadastradas
Laboratório de Genética Molecular Forense da Polícia Científica pretende aumentar número de amostras cadastradas | Foto: Rafael Costa



Curitiba - Estima-se que menos de 10% dos casos de homicídio no Brasil sejam solucionados. Para crimes como o estupro, as avaliações são ainda mais pessimistas. Em alguns casos, o único rastro deixado pelo criminoso é o DNA, e a principal esperança de solução reside no cruzamento de dados.

Esta é a aposta dos que esperam que o Brasil dê um salto no cadastramento de perfis genéticos e alcance índices comparáveis aos do Reino Unido, por exemplo - onde a Base Nacional de Dados de DNA (NDNAD, na sigla em inglês) já chega a 5,5 milhões de indivíduos.

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Segundo os últimos dados disponíveis, referentes a 29 de novembro de 2018, o BNPG (Banco Nacional de Perfis Genéticos) brasileiro tem 14.922 perfis cadastrados criminalmente. Destes, apenas 6.536 foram obtidos de indivíduos condenados por crimes violentos ou hediondos, conforme determina a lei 12.654, de 2012, que prevê a coleta obrigatória nestes casos. Os perfis processados a partir de vestígios em locais de crimes correspondem a 7.872.

Para aumentar as chances de que ocorra o chamado "match" - quando o perfil de DNA de uma cena de crime coincide com a amostra de um criminoso condenado ou com outro vestígio cadastrado - esses números precisam aumentar, defende o coordenador do Laboratório de Genética Molecular Forense da Polícia Científica do Paraná, Marcelo Malaghini. "Não adianta ter um banco enorme de vestígios coletados em local de crime e ter um banco mínimo de condenados", explica.

Uma pesquisa feita no início de 2018 pela RIBPG (Rede Integrada de Bancos de Perfis Genéticos) apontou que havia nos presídios cerca de 137.600 condenados que deveriam ter os perfis genéticos cadastrados. O total armazenado no banco brasileiro não chega a 5% disso.

PARANÁ

O laboratório do Paraná, em funcionamento desde 2014, tem 691 perfis armazenados e está atrás de São Paulo (2.820), Rio Grande do Sul (2.081), Minas Gerais (1.319) Pernambuco (1.301), Ceará (1.128), Maranhão (1.059), Distrito Federal (1.056), Goiás (845) e Pará (751), além do Departamento de Polícia Federal (2.359). A lista de laboratórios - 20 no total - inclui Rio de Janeiro (519), Paraíba (366), Santa Catarina (359), Mato Grosso do Sul (335), Amapá (327), Espírito Santo (237), Bahia (222), Mato Grosso (153) e Amazonas (131).

Segundo Malaghini, o laboratório paranaense deve dar um salto neste ano, seguindo a meta nacional de elevar o número de perfis cadastrados pelos laboratórios a 70 mil.

O Estado deve inserir 4 mil condenados com o processamento de mil amostras já coletadas e novas coletas de mais 3 mil presos. Os laboratórios receberam kits de coleta e análise do governo federal para atingir a meta. O gasto por perfil é de cerca de R$ 500 - fora despesas da logística da coleta nos presídios, de acordo com o coordenador do laboratório paranaense. Caso cumpra o objetivo, o Estado terá cadastrado cerca de 44% de sua população de interesse - segundo Malaghini, estimada em 9 mil presos.

O coordenador do laboratório conta que países como o Reino Unido e os Estados Unidos - cujo National DNA Index (NDIS) tinha, em outubro de 2018, mais de 13,5 milhões de perfis de infratores e 3,3 milhões de perfis de presos - também começaram seus bancos com casos de crimes de maior gravidade, mas foram ampliando o escopo.

"Sabendo que a tecnologia permite isso, é extremamente confiável e usada nos principais países do mundo - e que quanto maiores os bancos, mais resultados eles trarão -, deveria haver uma política mais 'agressiva'", defende. "O Brasil é que está atrasado", avalia.

HISTÓRICO

Apesar dos volumes pequenos, a rede já ajudou a resolver casos relevantes - e não apenas para encontrar culpados. O exemplo mais recente foi o julgamento de Israel de Oliveira Pacheco no STF (Supremo Tribunal Federal), em dezembro do ano passado. Com base principalmente em reconhecimento de testemunhas, ele foi condenado por um estupro e roubo ocorrido em Lajeado (RS), em 2008. Após cerca de dez anos preso, acabou absolvido com base em um laudo de DNA que mostrava que o material genético encontrado no local do crime não pertencia a ele e sim a Jacson Luís Silva, condenado como coautor do roubo.

No Paraná, um caso de destaque foi a resolução de um crime arquivado que foi solucionado quase sete anos depois. Em 2016, um homem já preso por quatro atentados violentos ao pudor e dois estupros de vulneráveis teve o perfil coletado e acabou sendo identificado como o autor do estupro de um menino de 13 anos que estava sem solução. Em 2015, a polícia resolveu um caso de explosão de caixa eletrônico em Curitiba depois de cruzar uma amostra de sangue coletada no local com o perfil de um assaltante preso em Matinhos meses depois. "Pelo baixo número de amostras, a rede até tem dado bons resultados", avalia Malaghini.

Segundo o último relatório da RIBPG, 559 investigações já foram auxiliadas pelos perfis genéticos cadastrados em todos os bancos. Houve 545 matches entre vestígios e 90 coincidências confirmadas entre vestígio e indivíduo cadastrado criminalmente.

As estatísticas do Codis (Sistema Combinado de Índices de DNA), dos Estados Unidos, evidenciam que os resultados acompanham o volume de perfis cadastrados: o sistema norte-americano gerou mais de 440 mil coincidências que auxiliaram quase 429 mil investigações.

"Quanto mais robusto for o banco, melhor será o aproveitamento", lembra o presidente da Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais, Marcos Camargo. Para o perito, os resultados nas resoluções de crimes obtidos por países em que o sistema está avançado são amostras do potencial do uso do DNA em investigações.

"O Reino Unido tem um índice acima de 90% [de resolução]. No Brasil, não há uma estatística precisa, mas é corrente a avaliação de que não chega a 10%, o que é um fator de impunidade muito grande", defende. "Existe uma ideia de que temos de aumentar as penas. Mas de que adianta se a pessoa não é presa? Via de regra, o criminoso não comete o crime pensando em quantos anos pode ficar preso. Ele comete o crime porque entende que não vai ser pego."