Um Fiat 147, um caminhão, uma caçamba e uma motoniveladora. Logo nos primeiros dias de 1997, essa era a frota que o recém-instalado município de Tamarana reivindicava à prefeitura de Londrina, como noticiado pela FOLHA na ocasião. Por plebiscito, a população tamaranense votou pelo desmembramento de Londrina em novembro de 1995, e no mês seguinte, dia 13, o município foi instalado, escolhendo seu primeiro prefeito na eleição de 96.

Imagem ilustrativa da imagem Tamarana, 25 anos depois: jovem, autônoma e em busca de trabalho
| Foto: Eliseu Batista Alencar/Divulgação

Passados mais de 25 anos desde os primeiros percalços para colocar em pé a máquina pública no primeiro ano da administração municipal independente de Londrina, a emancipação ajudou a melhorar indicadores socioeconômicos, mas há soluções que ajudariam a dar um ritmo mais célere ao desenvolvimento local.

A auxiliar de enfermagem Izabel Inácio já atuou em diferentes localidades da zona rural de Tamarana e no Hospital São Francisco
A auxiliar de enfermagem Izabel Inácio já atuou em diferentes localidades da zona rural de Tamarana e no Hospital São Francisco | Foto: Lucas Marcondes

A análise é do professor do Departamento de Administração da UEL (Universidade Estadual de Londrina) Saulo Fabiano Amâncio Vieira, que também é membro do Núcleo Interdisciplinar de Gestão Pública (Nigep), da própria UEL. “Para as demandas mais locais, [a emancipação] foi fundamental para o desenvolvimento do município. Tenho certeza de que há evolução positiva para a comunidade”, atesta o docente. Um dos principais exemplos, conforme Vieira, pode ser constatado no que ele considera “aumento significativo” do IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) ao longo das últimas décadas.

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Em 1991, o então distrito de Londrina tinha IDH de 0,360 – patamar classificado como baixo. Em 2000, cinco anos depois de a maioria dos tamaranenses decidirem em plebiscito pela emancipação, o indicador avançou para 0,504. Já o último índice, de 2010, alcançou 0,621 – nível considerado médio.

Além do salto de qualidade de vida, houve um aumento de 74,4% no número de habitantes. Se em 1991 eram 8.756 moradores, a projeção mais recente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2021, estimou um total de 15.277 tamaranenses.

João Nelson Monteiro: “Sala de aula não é só chegar e sentar. Hoje em dia, o professor é pai, é médico, é psicólogo"
João Nelson Monteiro: “Sala de aula não é só chegar e sentar. Hoje em dia, o professor é pai, é médico, é psicólogo" | Foto: Lucas Marcondes

Ao mesmo tempo, de acordo com o acadêmico, ainda há aspectos que devem ser alavancados em Tamarana. “Olhando o contexto da região metropolitana de Londrina e do Paraná, a gente observa que essa evolução carece de ser potencializada”, aponta, argumentando que o desenvolvimento socioeconômico do município passa fundamentalmente pela qualificação da mão de obra local por meio da educação.

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Em Tamarana, o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) dos anos iniciais do ensino fundamental – etapa da vida escolar pela qual o município é responsável – era de 3,7 em 2005, mas, na última medição feita pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), em 2019, o dado chegou a 6,2 – acima da média projetada de 5,9.

Entretanto, o pesquisador de gestão pública lembra que o número continua levemente abaixo da média do Paraná para essa etapa da educação básica, que, em 2019, foi de 6,4. “Elevando a questão da qualificação, melhoramos o emprego e a renda. A mão de obra qualificada vai receber melhor e consumir mais na economia local”, exemplifica Vieira.

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Políticos de agora e do passado recente também veem a carência de oportunidades de trabalho como uma das principais “pedras no sapato” da cidade. Entre eles, o presidente da Câmara Municipal de Tamarana, Anauto Gouvea (União Brasil). “Além de atrair novas empresas, o fundamental é a qualificação da mão de obra local, porque grandes empresas já se instalaram no município, mas trazem funcionários de outros locais”, comenta o parlamentar por meio de resposta encaminhada à FOLHA pela assessoria da Casa.

Embora tenham estado em campos opostos da política ao disputar o comando do Executivo local, ex-prefeitos de Tamarana compartilham de ponto de vista semelhante quando o assunto é o desenvolvimento da cidade. Tanto para Beto Siena (gestões 2005-2008, 2009-2012 e 2017-2020) quanto para Paulino de Souza (gestão 2013-2016), aquecer o mercado de trabalho é um dos maiores desafios para o município progredir.

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“A grande briga de Tamarana ainda é a industrialização”, diz Beto Siena. Além disso, para o ex-prefeito, instituições como a UEL e a Associação dos Municípios do Médio Paranapanema (Amepar) poderiam firmar parcerias com Tamarana e cidades de porte semelhante da região para, dessa forma, elaborar projetos de infraestrutura que, por conta do corpo técnico reduzido, essas prefeituras costumam encontrar dificuldades para dar conta.

Paulino de Souza vê como um “problema crônico” as escassas oportunidades de emprego em Tamarana. “É triste ir na Água do Beijo [ponto de ônibus situado no limite entre Tamarana e Lerroville, distrito de Londrina] e ver um monte de gente tendo que trabalhar em Londrina. Tamarana é extremamente rural. Acho que deveria direcionar para nossa vocação, que é agrícola”, opina o ex-gestor. “O êxodo rural é uma realidade não só em nosso município. Entretanto, também estamos vendo o retorno de jovens para o campo. A maioria com qualificação”, pondera, por sua vez, o presidente da câmara.

Para Anauto Gouvea, outra prioridade é buscar melhorias para o Hospital Municipal São Francisco – que, além de Tamarana, costuma atender pacientes de distritos vizinhos, como Lerroville. Segundo ele, “se possível”, é necessário ter médicos que residam no município para conhecer melhor a realidade local, além de contar com equipamentos que evitem o deslocamento dos pacientes até Londrina.

Compras públicas

Com um orçamento da Prefeitura de Tamarana para 2022 de cerca de R$ 45 milhões, outra alternativa para aquecer a economia local passa também pelo fomento de compras públicas em micro e pequenas empresas da própria cidade, indica o professor do Núcleo Interdisciplinar de Gestão Pública. “O município tem um papel importante para ser o indutor do comércio local por meio de compras públicas – é claro, respeitando todas as regras", afirma.

“Considerando os gastos obrigatórios, os municípios são pressionados e normalmente têm uma capacidade limitada de investimento”, lembra Saulo Vieira. Ao mesmo tempo, ele aponta que há soluções próximas que podem servir de inspiração para Tamarana. Entre elas, o Programa Compra Londrina, da Prefeitura de Londrina. Só em 2020, a iniciativa ajudou a fazer circular R$ 82,6 milhões de reais em empresas do município vizinho.

Participação popular

Ainda conforme o professor do Nigep, o estímulo à participação popular no processo de tomada de decisões do poder público municipal tem de ser ampliado em busca de conquistas positivas para a comunidade. “O engajamento que houve no processo de emancipação também tem que acontecer agora. A eleição, um ano vai ser um que vai ganhar, outro ano vai ser outro, mas o plano [de desenvolvimento] do município tem que estar muito claro”, sugere Vieira.

“A participação da população ainda é baixa”, reconhece o presidente do Legislativo. “Para tentar alcançar o máximo [de pessoas] possível, as sessões são transmitidas pela internet e pela rádio comunitária”, informa Anauto Gouvea através da assessoria da Casa.

A Folha também buscou uma entrevista com a atual prefeita de Tamarana, Luzia Suzukawa (PSDB), mas não obteve retorno da assessoria de imprensa da prefeitura até o fechamento da reportagem.

“A gente penou bastante. Agora é tudo mais fácil”, conta servidora da Saúde

Ao conquistar a emancipação, Tamarana também precisou instituir seu quadro próprio de servidores. E os primeiros anos de prestação de serviço aos cidadãos não foram fáceis, como relembram dois profissionais que atuam no município desde 1997.

Hoje trabalhando no setor de vacinação da UBS Plínio Pereira de Araújo, na área central da cidade, a auxiliar de enfermagem Izabel Inácio já atendeu pacientes em diferentes localidades da zona rural, atuou no centro cirúrgico do Hospital Municipal São Francisco quando a unidade tinha condições de fazer esses procedimentos, entre outras tarefas. “A gente penou bastante. As estradas [rurais], naquela época, eram muito difíceis, mas foi um aprendizado muito grande. Agora é tudo mais fácil”, resume a servidora tamaranense.

Cruzar a extensa malha de estradas rurais de Tamarana para dar aulas na rede municipal de ensino faz parte da rotina do professor João Nelson Monteiro há mais de duas décadas. Quando ele começou a carreira, em 1997, o ensino na área rural ainda se dava em salas multisseriadas, com estudantes de diferentes séries dividindo o mesmo espaço.

“Foi difícil, mas sobrevivemos. Naquela época os meios de comunicação eram escassos. Quando eu entrei [na sala de aula pela primeira vez] e os alunos chegaram, gente, eu suei tanto!”, relata. Em razão da falta de profissionais para lecionar na zona rural, somente a formação em nível fundamental do tamaranense foi suficiente para, naquele período inicial, Monteiro ensinar noções básicas de leitura e escrita para seus alunos.

Agora pós-graduado na área de educação, o professor acumula a experiência de, na Escola Rural Municipal Enes Barbosa, localizada no Assentamento Água da Prata, também atender parte das crianças kaingangs da Terra Indígena Apucaraninha. “Sala de aula não é só chegar e sentar. Hoje em dia, o professor é pai, é médico, é psicólogo. Você tem que saber lidar com as diferenças”, analisa.

Com obra parada, Legislativo traça estratégia para terminar sede própria

Assim como a prefeitura, a Câmara Municipal de Tamarana funciona em sede alugada desde os primeiros anos de vida do município. A legislatura anterior a essa começou a trabalhar na construção de uma sede própria ainda em meados de 2017, mas, após uma série de percalços envolvendo questões como divergências na execução do projeto original, a obra atualmente está paralisada.

Perguntado sobre o impasse, o presidente da Casa, Anauto Gouvea (União Brasil), declarou que “foi contratada uma empresa para readequar o projeto inicial. A câmara irá receber este novo projeto no final deste mês [de agosto] e estará licitando a execução da obra, com prazo previsto de aproximadamente seis meses para o término”. Os recursos para a construção são do próprio Legislativo.

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