Brasília - O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) negou nesta terça-feira (10) ter cogitado dar um golpe de Estado no Brasil para impedir a posse do então presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Durante depoimento ao ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), o ex-presidente também disse que a medida seria danosa para o Brasil.

O ex-presidente foi ouvido na condição de réu da ação de uma trama golpista e foi confrontado com as acusações de que teria planejado medidas inconstitucionais para tentar reverter o resultado das eleições de 2022 e impedir a posse do presidente Lula. Em 8 de janeiro de 2023, houve invasão e depredação dos prédios dos Três Poderes, em Brasília, por milhares de manifestantes que estavam acampados em frente ao quartel do Exército e outros de caravanas de vindos de várias partes do País.

Bolsonaro afirmou que a possibilidade de golpe de Estado nunca foi discutida em seu governo. "Da minha parte, nunca se falou em golpe. Golpe é abominável. O golpe até seria fácil começar. O afterday é imprevisível e danoso para todo mundo. O Brasil não poderia passar por uma experiência dessa. Não foi sequer cogitada essa hipótese de golpe no meu governo", afirmou.

MINUTA DO GOLPE

Bolsonaro também negou ter feito uma minuta de golpe para justificar a intervenção militar após as eleições de 2022.

Na segunda-feira (9), o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, tenente-coronel Mauro Cid, foi interrogado por Moraes na condição de delator e disse que o ex-presidente presenciou a apresentação do documento golpista, enxugou o texto original e propôs alterações para constar a possibilidade de prisão de ministros.

"Não procede o enxugamento. As informações que eu tenho é de que não tem cabeçalho nem o fecho [parte final]", comentou

O ex-presidente também reiterou que nunca tomou medidas contra a Constituição. "Da minha parte, eu sempre tive o lado da Constituição. Refuto qualquer possibilidade de falar em minuta de golpe e uma minuta que não esteja enquadrada na Constituição", completou.

Bolsonaro negou ainda ter recebido voz de prisão do ex-comandante do Exército Freire Gomes durante reunião com os comandantes das Forças Armadas para apresentação de estudos sobre a adesão das tropas à tentativa de golpe, em 2022.

A declaração de Bolsonaro foi feita em resposta a pergunta feita pelo ministro Luiz Fux.

Bolsonaro desmentiu o ex-comandante da Aeronáutica Baptista Júnior, que estava no encontro, e prestou a informação em depoimento à Polícia Federal. A investigações da PF embasaram a denúncia da PGR (Procuradoria-Geral da República) contra os réus.

"As Forças Armadas sempre primaram pela disciplina e hierarquia. Aquilo falado pelo brigadeiro Baptista Júnior não procede, tanto é que foi desmentido pelo próprio comandante do Exército. Se dependesse de alguém diferente para levar avante um plano ridículo desse, eu teria trocado o comandante da Aeronáutica", afirmou.

FREIRE GOMES

No mês passado, ao prestar depoimento como testemunha no processo, o general Marco Antônio Freire Gomes negou que tenha dado voz de prisão a Jair Bolsonaro durante a referida reunião. “Não aconteceu isso [voz de prisão], de forma alguma. Eu alertei ao presidente que se ele saísse dos aspectos jurídicos, além de não concordamos com isso, ele seria implicado juridicamente”, afirmou Gomes.

Contudo, o ex-comandante da Aeronáutica confirmou em depoimento que a ameaça de prisão de Bolsonaro realmente ocorreu durante a reunião.

Bolsonaro também negou ue o ex-comandante da Marinha Almir Garnier tenha colocado as tropas da força à disposição para a decretação de medidas golpistas que reverteriam o resultado das eleições de 2022.

Perguntado pelo ministro se Garnier colocou as tropas à disposição, Bolsonaro negou a informação, que consta na investigação da Polícia Federal (PF) sobre a tentativa de golpe.

"Em hipótese alguma. Não existe isso. Se nós fossemos prosseguir em um estado de sítio e de defesa, as medidas seriam outras. Não tinha clima, não tinha oportunidade e não tinha uma base minimamente sólida para fazer qualquer coisa", afirmou.

De acordo com a PF, o almirante teria colocado suas tropas à disposição de Bolsonaro durante uma reunião em 2022 com os comandantes das Forças Armadas. Durante o encontro, Bolsonaro apresentou estudos para decretação de medidas de estado de sítio e de decretação de operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) para impedir a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

URNAS

Em outro momento do depoimento, Bolsonaro foi questionado por Moraes sobre falas nas quais o ex-presidente deslegitimou o processo eleitoral e insinuou que há fraudes na urna eletrônica.

Em resposta ao ministro, o ex-presidente afirmou que sempre teve uma retórica a favor do voto impresso, mas nunca tomou nenhuma medida inconstitucional.

"Em nenhum momento eu agi contra a Constituição. Joguei dentro das quatro linhas o tempo todo, muitas vezes me revoltava, falava palavrão, falava o que não deveria falar. No meu entender, fiz aquilo que tinha quer ser feito", afirmou.

DESCULPAS

O ex-presidente também "pediu desculpas" após ser questionado sobre declarações nas quais afirmou, sem provas, que ministros do STF estariam "levando dinheiro" para fraudar o processo eleitoral.

"Não tem indício nenhum. Me desculpe, não tinha essa intenção de acusar qualquer desvio de conduta", disse.

Bolsonaro também negou ter conhecimento sobre a operação da PRF (Polícia Rodoviária Federal) no segundo turno das eleições de 2022 para barrar a circulação ônibus de eleitores do Nordeste, região que deu mais votos para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva no primeiro turno.

"Não tive conhecimento. Eu fiquei sabendo, após o ocorrido, que nenhum eleitor deixou de votar", afirmou.

PRESSÃO

Bolsonaro também negou ter pressionado o ex-ministro da Defesa Paulo Sergio Nogueira para apresentar um relatório ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral) para insinuar que não é possível descartar fraudes nas urnas eletrônicas.

"Jamais eu pressionei. Não houve pressão em cima dele para fazer isso ou aquilo", declarou.

MORAES VICE?

Bolsonaro (PL) brincou com Alexandre de Moraes durante o depoimento. "Poderia fazer uma brincadeira? Eu perguntaria ao meu advogado. Gostaria de convidá-lo para ser meu vice em 2026", afirmou Bolsonaro, que está inelegível até 2030, após condenação do TSE. Moraes respondeu: "Eu declino".

GENERAL HELENO

Réu na ação penal que apura uma suposta tentativa de golpe de Estado para manter o ex-presidente da República Jair Bolsonaro no cargo e impedir que o então candidato eleito Luiz Inácio Lula da Silva fosse empossado, o ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) general Augusto Heleno negou que tenha coordenado ações para disseminar informações falsas colocando em dúvida a legitimidade do sistema eleitoral e a inviolabilidade das urnas eletrônicas.

Ao exercer seu direito constitucional de permanecer calado, Heleno não respondeu às perguntas formuladas pelo relator da ação, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes. Mas respondeu às questões de seu advogado, Matheus Mayer Milanez.

Durante o interrogatório, Heleno também negou ter coordenado ações da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) para produzir relatórios falsos. E garantiu nunca ter tratado de nenhum tema ilegal com Bolsonaro, comandantes militares ou membros da equipe de governo.

Segundo o ex-ministro do GSI, o teor de suas controversas declarações durante uma reunião com Bolsonaro e demais ministros, ocorrida e gravada em julho de 2022, foram interpretadas erroneamente.

Na reunião, Heleno comentou que, após a divulgação do resultado das eleições que ocorreriam dali a alguns meses, não haveria “segunda chamada”, nem “revisão do VAR”, e que, se algo tinha que ser feito, precisava ser feito antes do pleito.

“Se tiver que dar soco na mesa, é antes das eleições. Se tiver que virar a mesa, é antes das eleições. Depois, será muito difícil que tenhamos alguma nova perspectiva [em caso de vitória de Lula]”, disse Heleno durante a reunião ocorrida há 3 anos.

Nesta terça-feira, ao ser questionado sobre o assunto por seu advogado, o ex-ministro garantiu que empregou essas expressões em sentido figurado.

“Preocupava-me a situação política que estávamos vivendo e [a crença em] que precisávamos agir antes que isso trouxesse maiores problemas para o sucesso das eleições”, disse.

Na mesma reunião ministerial, de julho de 2022, Heleno comentou ter conversado com o então diretor interino da Abin Victor Felismino Carneiro, sobre a “montagem de um esquema para acompanhar o que os dois lados vão fazer” e que o único problema seria caso a iniciativa “vazasse”, ocasionando acusações de que a Abin estaria infiltrando agentes nas campanhas de adversários de Bolsonaro.

“Eu realmente conversei com o Victor para que fosse realizado um acompanhamento das campanhas presidenciais, a fim de evitar que acontecesse [um atentado] como o que já tinha acontecido com Bolsonaro, em Juiz de Fora. Julguei muito importante que houvesse uma integração entre órgãos de segurança”, justificou Heleno, garantindo ao responder ao advogado que as medidas adotadas fazem parte do trabalho que a Abin faz junto com outros órgãos públicos desde 1991.

“Deixei bem claro para o Victor que, conforme manda a Constituição, não podemos infiltrar elementos da Abin nessas atividades. Não havia interesse em mascarar isso. Até porque não era nossa intenção infiltrar agentes, o que, tecnicamente, nem seria possível. A ideia era acompanhar de perto o que acontecia e agir [para evitar] coisas que prejudicasse o andamento das campanhas”, acrescentou o general.

Heleno também negou o teor conspiratório, golpista, que a PGR atribuiu a anotações encontradas em uma caderneta que a Polícia Federal apreendeu em sua casa e usada como prova no processo contra o general da reserva. Segundo o ex-ministro, o conteúdo da agenda nunca foi compartilhado.

PAULO SÉRGIO NOGUEIRA

O ex-ministro da Defesa Paulo Sérgio Nogueira afirmou nesta terça-feira que alertou Jair Bolsonaro sobre a gravidade da possibilidade de decretação de medidas golpistas no final do governo do ex-presidente, em 2022.

Nogueira, que é general do Exército, é um dos réus da ação penal da trama golpista e foi chamado para ser interrogado pelo ministro Alexandre de Moraes.

O general foi acusado pela PGR de endossar críticas ao sistema eleitoral, instigar a tentativa de golpe e de apresentar uma versão do decreto golpista para pedir apoio aos comandantes das Forças Armadas.

O ex-ministro confirmou a participação na reunião realizada pelo ex-presidente para apresentar estudos para decretação de medidas de estado de sítio para reverter o resultado das eleições, mas negou ter apresentado o documento.

Nogueira disse que alertou Bolsonaro sobre a gravidade da tentativa da golpe e que ele e o ex-comandante do Exército Freire Gomes saíram "preocupadíssimos" da reunião.

"Alertei da seriedade, da gravidade, se ele [Bolsonaro] estivesse pensando em estado de defesa, estado de sítio. A gente conversando ali numa tempestade de ideias, as consequências de uma ação futura que eu imaginava que poderia acontecer se as coisas fossem em frente", afirmou.

Nogueira também rebateu a acusação da procuradoria e negou ter levado a minuta de golpe para os comandantes das Forças Armadas. "Eu nunca tratei de minuta de golpe com meus ex-comandantes", declarou.

O ex-ministro também negou ter sofrido pressão do ex-presidente Jair Bolsonaro para alterar o relatório de auditoria das urnas eletrônicas utilizadas nas eleições de 2022 e insinuar que não seria possível descartar fraudes nas urnas eletrônicas.

Segundo o general, as conclusões do relatório entregue ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) foram feitas com base no parecer dos técnicos das Forças Armadas.

"O presidente da República [Bolsonaro] jamais me pressionou, seja para mandar o relatório só para o segundo turno, seja para alterar o relatório. O que me deixa de cabeça quente é saber pela denúncia [da PGR] que eu havia alterado esse relatório", afirmou.

Nogueira também pediu desculpas a Alexandre de Moraes por ter feito críticas, sem fundamento, às urnas eletrônicas e a ministros do TSE.

"Queria me desculpar publicamente por ter feito essas colocações. Nessa reunião, trato com palavras totalmente inadequadas o trabalho do TSE", afirmou.

O general Braga Netto negou nesta terça-feira (10) ter repassado a Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro, dinheiro dentro de uma sacola de vinho para que fosse entregue a militares que faziam parte do esquadrão de elite do Exército, chamados de "kids-pretos".

BRAGA NETO

Militar da reserva e vice na chapa de Bolsonaro em 2022, Braga Netto foi interrogado, por videoconferência, pelo ministro Alexandre de Moraes por ser um dos réus do Núcleo 1 da ação penal da trama golpista.

Ele está preso desde dezembro do ano passado sob a acusação de obstruir a investigação sobre a tentativa de golpe de Estado e de tentar obter detalhes dos depoimentos de delação de Cid.


Braga Netto rebateu as acusações feitas pelo ex-ajudante no STF. Cid disse que recebeu dinheiro dentro da sacola de vinho e que o recurso foi entregue pelo general. De acordo com as investigações, o dinheiro seria destinado ao financiamento das ações do plano golpista.

"Eu não pedi dinheiro para ninguém e não dei dinheiro nenhum para o Cid", afirmou.

Braga Netto também negou ter tomado a iniciativa de tentar contato com o pai de Mauro Cid, general Lourena Cid, para obter informações sobre o acordo de delação premiada.

Segundo Braga Netto, Lourena entrou em contato com ele para pedir apoio político para o filho.

"Quem me liga é o pai do Cid. Eu nunca entrei em contato com ele e perguntei nada sobre delação premiada", completou.

INTERROGATÓRIOS

O ex-presidente e mais sete réus fazem parte do núcleo 1 da denúncia apresentada pela PGR (Procuradoria-Geral da República) contra os acusados pela tentativa de golpe de Estado.

Bolsonaro responde pelos crimes de golpe de Estado e tentativa de abolir o Estado Democrático de Direito. É a primeira vez que um ex-presidente eleito é colocado no banco dos réus por crimes contra a ordem democrática estabelecida com a Constituição de 1988. Ele também responde aos crimes de organização criminosa armada, dano qualificado pelo emprego de violência e grave ameaça e deterioração de patrimônio tombado.

O relator da ação penal, Alexandre de Moraes, está interrogando oito réus acusados de participar do "núcleo crucial" de uma trama.

Já foram interrogados Mauro Cid, delator e ex-ajudante de ordens de Bolsonaro; Alexandre Ramagem, ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin); Almir Garnier, ex-comandante da Marinha; Anderson Torres, ex-ministro da Justiça e ex-secretário de Segurança do Distrito Federal; Augusto Heleno, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional; o ex-presidente Jair Bolsonaro, além do ex-ministro da Defesa Paulo Sérgio Nogueira; e Walter Braga Netto, general do Exército e ex-ministro de Bolsonaro

O interrogatório dos réus é uma das últimas fases da ação penal. A expectativa é de que o julgamento que vai decidir pela condenação ou absolvição do ex-presidente e dos demais réus ocorra no segundo semestre deste ano.

Em caso de condenação, as penas passam de 30 anos de prisão.

mockup