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Opinião 5m de leitura

ESPAÇO ABERTO: Deus está de férias?

ATUALIZAÇÃO
11 de abril de 2023

João dos Santos Gomes Filho
AUTOR

Leio, em todo lugar, que um despossuído de sentimentos invadiu uma creche em Blumenau (SC) e matou quatro crianças – a golpe de machadinha, ao que me pareceu da matéria que não consegui ler até o final.

A notícia me atordoou e atordoado estou, desde então. Mas vou tentar vencer o sentimento que me invade escrevendo aqui a dor que grita em mim. De início constato que não convivíamos com essa cultura de ódio e violência. Ela é recentíssima (veio após o golpe de 2016) e o seu custo se reflete na multiplicação de tragédias de ódio e violência – que desfilam de peito aberto em plena avenida, como se parte da paisagem fossem.

Estamos pingando ódio e suando violência – ou seria o contrário?

Deveras, se não fizermos um grandioso mea culpa agora, temo que o desfile nas avenidas ganhará locais ainda mais vulneráveis e cobrará a conta do capiroto na bacia das almas que se desgarram quando o neoliberalismo apresentou sua fatura virtual, sempre em cotas de ódio e violência, na tentativa de salvar o capital privado...

Qual a relação entre um celerado que invade uma creche em Blumenau e o sistema capitalista? – alardearão os afoitos que não aprenderam a ler as entrelinhas do contrato social.

O fascismo, para além de suas características intrínsecas, não é senão uma ‘margem necessária’ de manobra capitalista, naquilo que cada crise da exploração do capital encaminhou (historicamente) o fascismo enquanto resposta.

Ou vocês pensam que a Itália de Mussolini ia, social e economicamente, de vento em popa quando il duce trouxe o ódio de classes e a violência social sobre as rodas de seu hábito motociclístico?

Em seu primeiro momento (entre 1922 e 1924) Mussolini encenou um governo de conciliação ao poder real de Vítor Emanuel Terceiro, pelo viés de um law profile estético que desagradou o dono do meio de produção, representado politicamente pelo partido nacional fascista (PNF), ansiosos pela instauração de uma ditadura que lhes aumentasse privilégios e afastasse os ideologicamente divergentes.

Do ensaio para inglês ver ao modelo que preparava, aos poucos Mussolini foi dando forma e vida ao ódio que aprumava a violência. Tanto que em 1923 transformou sua milícia fascista em milícia voluntária de ‘segurança nacional’.

O golpe estava posto. O aparato ilegal desenhado no ódio que encaminha a violência se viu, por decreto do duce, da noite para o dia, coligido em uma milícia (seguiu, assim, investido no ódio e na violência) voluntária de ‘segurança nacional’.

Foi assim, por decreto, que Mussolini fez do ódio e da violência aparatos de segurança do estado. Essa manobra instituiu a vertente fascista no poder, de fato, suposto que transformou adversários ideológicos (comunistas) em inimigos do estado.

Em ligeira digressão histórica, lembro que o crescimento do socialismo na Europa resultou da Revolução Russa (1917). A socialização das estepes implementou o crescimento dos partidos socialistas em Europa. Neste contexto a Itália viu o sindicalismo e os movimentos de trabalhadores se multiplicarem.

Essa conjuntura potencializou o crescimento da quantidade de cadeiras que os socialistas conquistaram no Parlamento – de 79 antes da guerra (1913) para 156 após a guerra (1919), evidenciando perda de representatividade dos liberais italianos.

Some-se a isso as consequências do pós-guerra Europeu, que cobrou severo desencontro econômico ao continente, trazendo de fome à falta de empregos, compondo o painel que acomodou e chocou o ovo da serpente.

O ódio, assim, se fez herança pelo declínio econômico de Itália, oportunizando a instauração da violência de grupos paramilitares tutelados e preparados pelo estado contra seus adversários (transformados em inimigos) ideológicos – os squadristi (grupos paramilitares fascistas) todavia, não acampavam em quarteis pedindo a instauração de uma ditadura...

Qualquer semelhança com o Brasil de 2016 para cá não seria mera coincidência, já que o método fascista de culto à personalidade (mito), crença em um destino glorioso (brasil acima dos outros), rejeição do ideário iluminista (terraplanismo e obscurantismo anti vacina), nacionalismo exacerbado (militarização do estado), criação de inimigos internos (é preciso afastar o PT), crença na supremacia racial (a questão do negro não é senão um mimimi), militarização da sociedade (proliferação das armas com civis), desprezo pela democracia liberal (negacionismo tecnológico que desacredita a segurança das urnas eletrônicas), ódio ao socialismo (isso aqui se transformará em uma Venezuela), elevou a temperatura e estabeleceu a era da violência entre nós.

Padres católicos malformados e pastores neopentecostais apegados ao ganho fácil (com o perdão do pleonasmo) abasteceram essa miséria existencial como tábua de salvação de alma (afinal o governo social do PT era a ameaça a ser vencida) e abraçaram o totalitarismo que desencadeou no ódio que alimenta a violência.

O que passou em Blumenau não é senão a conta da miséria que o ‘capirito’ esparramou – lembro que desandaram o lugar de Deus (no meio de nós), alocando o Pai acima de seus filhos.

O ódio que gera violência é ínsito a todo bom moço que, de qualquer forma, contribuiu com os discursos malévolos em detrimento das minorias. Blumenau pode ser a ponta de um iceberg existencialista que reflita o momento em que nós nos afastamos do Criador, abraçando o descaminho da criatura – com o apoio das igrejas.

Tristes trópicos, onde o fascismo construiu uma escada para o inferno!

João dos Santos Gomes Filho, advogado

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