Uma frase atribuída a Gabriel Garcia Márquez (escritor nascido na Colômbia e morto no México, 1927-2014), dá conta do escopo deste artigo: “a velhice nada mais é do que um pacto honesto com a solidão”. Na realidade, os dois momentos fulcrais da nossa existência se dão em solidão completa e insofismável: o nascimento e a morte!

Se no primeiro, uma “claque” familiar nos espera apreensiva e feliz, enquanto passamos sozinhos, inexoravelmente, pelo túnel que nos dá acesso a esta oxigenada vida, na morte cruzamos o limiar da existência humana, despedindo-nos dos que não podem acompanhar-nos mesmo que assim o desejassem! É pura solidão! É uma jornada “da solo”!

A solidão é, sem dúvida, a companheira dos grandes mistérios da vida. Onde as palavras se calam para abrir alas à linguagem do ser, também os outros têm pouco a dizer, quando se trata do grande Mistério da existência humana!

Temos a família como porto seguro e nos regozijamos dos aconchegos que os afetos nos proporcionam. Nada disto é mentira! O ser humano, uma vez encontrado neste mundo, tem na pertença a grupos e a uma comunidade a plataforma onde melhor se entende como ser relacional que é, por essência.

Por isso, a solidão não pode ser traduzida simploriamente por vida solitária! Se dissermos que uma noz é dura, referimo-nos evidentemente à casca, embora atribuamos à fruta essa caraterística! A noz não é dura. Ela apenas tem uma casca consistente, que protege o precioso fruto!

Assim, a vida humana ao carecer de relacionamentos e proximidades afetivas que lhe acrescentem alegrias e lhe forneçam apoios, seja de outros humanos ou de animais, nem por isso deixa de ser na sua essência algo que só se compreende na solidão e no encontro consigo mesmo!

Todos já fomos visitar amigos doentes e alguns em estado terminal. A nossa companhia é benfazeja e visitar enfermos é uma grande virtude! Mas, o paciente, por muito que a aprecie, sabe que está vivendo o “seu momento” e que ninguém o pode substituir. Isso é solidão existencial.

Esta solidão deve permear todos os momentos e períodos da nossa vida. Se ela envolve os dois principais mistérios, o inicial e o final, com certeza iluminará todos os gestos, sonhos, frustrações etc. que caracterizam a odisseia humana. Lembro-me, por exemplo, da pessoa de Jesus de Nazaré.

Ao longo dos três anos de vida pública, os evangelhos nos dão conta de que ele gostava de “momentos de solidão”, de madrugada (Mc 1,35). E, naquele que foi o “grand finale” da sua vida, ou seja, a morte na cruz, ali estava ele solitário, abandonado por Deus e pelos homens!

O Mestre dos mestres entendeu, melhor do que ninguém, de que as grandes multidões ou a constante presença de pessoas por perto, eram insuficientes para dar o sentido pleno à sua vida. A solidão como “um desterrado”, o acompanhou até ao fim. Diríamos, sem exagero, que a solidão foi a sua grande companheira.

Enamorarmo-nos da solidão é uma arte. Fugir dela é alienação. Ter fobia de ficar sozinho não é propriamente algo que se possa elogiar! Os grandes inventores e filósofos apreciavam a solidão e era nela que envolviam todos os anseios da humanidade, porque acreditavam que no silêncio da solidão se sufoca todo o barulho do mundo. Quem abomina a solidão, corre o risco de ter relacionamentos superficiais e apreciar a futilidade. A solidão dá cor, brilho e consistência ontológica, aos laços afetivos que geram famílias e a própria sociedade.

Solidão, embora não seja estranha à religião, não lhe pertence por natureza. Buscar no deserto da vida razões para viver é pedagogicamente excelente. E isso pode e deve ser realizado por crentes e ateus.

Viktor Frankl, fundador da terceira escola vienense de psicoterapia, a Logoterapia e Análise Existencial, encontrou o sentido para a sua vida no campo de concentração, onde perdeu os pais, o irmão e a esposa. Não fujamos da solidão!

Padre Manuel Joaquim R. dos Santos, Arquidiocese de Londrina

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