ESPAÇO ABERTO: A regra do jogo
PUBLICAÇÃO
sexta-feira, 15 de setembro de 2023
João dos Santos Gomes Filho
Li, reli e três li (como ensina maestro Amilton Bueno de Carvalho) a decisão do ministro Dias Toffoli (STF) que anulou todas as provas obtidas por meio do "acordo" de leniência da construtora Odebrecht e de seus sistemas de "pagamento de propina" (Drousys e Maywebday).
Na medida em que esses elementos, conjugados ou separados, serviram de base a propositura de diversas acusações que resultaram em diversos processos criminais no âmbito da falecida Operação Lava Jato (cada vez mais um consórcio entre amigos), o mundo se pôs de patas arriba (como ensina maestro Galeano).
Não vou (porque jamais o fiz) entrar no mérito das decisões judiciais. Elas pertencem ao prolator e aos que por ela foram afetados. O que sempre fiz (e penso seguir fazendo) foi analisar o ambiente e expor algumas consequências.
A Lava Jato foi (porque faleceu quando a luz invadiu o purgatório) uma tentativa política de (re)escrever nossa história pela falácia e poder das decisões judicantes, na medida em que seu bastidor, desnudado na operação Spoofing, mostra o que havia (ainda há) de podre no reino da Dinamarca.
Em meio a esse mar de fel, passada a decisão monocrática de Toffoli, a OAB-PR, outrora progressista, emitiu nota onde se destaca a "tese" de que "a decisão, ao reconhecer erros e abusos praticados no âmbito da operação Lava Jato", não teria condão de "passar uma borracha hermenêutica sobre a corrupção nela revelada".
Estou há 24 horas com esse portento me martelando os dois neurônios que restaram: o que seria para a OAB "passar uma borracha hermenêutica"? Pergunto porque a sugestão a que remete a frase programada para impactar é a própria borracha de que se vale para não se manifestar sobre onde estava a OAB-PR quando estes erros e abusos pontuados estavam sendo cometidos.
Incautos dirão que eram situações desconhecidas, que só vieram à luz quando o inferno foi invadido por um cometa que, pela ação de um hacker, desnudou o bastidor antropofágico onde procuradores e juiz eram um só e o jogo era combinado e direcionado.
Mas isso, para a OAB-PR, parece ser efeito colateral de uma qualquer outra necessidade. Importante, para a OAB-PR, foi o resultado da operação, não o caminho percorrido pelos agentes públicos que malferiram o processo e prostituíram a ideia de justiça.
Estou, desde que li a manifestação da OAB-PR, profundamente decepcionado com o rumo torpe e político com que minha entidade de classe (desde 1988, ano de promulgação da Carta Política) enviesou a decisão de Toffoli.
Não há qualquer ganho advindo de uma operação judiciária que politiza a própria atuação, perfazendo da precificação da Toga (o que está estampado nas eleições de Moro e Dallagnol) um modelo que rasgou a carta política naquilo que, talvez, ela tivesse de mais sagrado: a imparcialidade do julgador.
O caminho percorrido pelos agentes políticos que perfilaram na operação é deletério cultural de um estado democrático de direito e a OAB-PR, desconhecer essa circunstância, me diminui enquanto advogado e me cancela enquanto cidadão.
Respeitosamente, pois, aproveito este espaço democrático, para responder a OAB: não houve qualquer ganho com a Lava Jato, justamente porque não se combate hipótese de corrupção com atos de corrupção.
O devido processo ainda é o limite. Estou estupefato com o fato da OAB-PR desconhecer essa realidade histórica que tem matrícula na reunião do mundo em torno de um limite de atuação do Estado. Esse limite chama processo e ele não só é devido ao jurisdicionado, como também é legal, naquilo que deriva de lei.
A fala da OAB-PR, portanto e nesse particular, não me representa enquanto afiliado – antes o contrário; diminui meu espaço de atividade democrática enquanto cidadão. E isso é o que de pior um órgão de classe poderia fazer por seus afiliados.
Peço sinceras desculpas a amigos queridos que possam ter se ofendido com minha fala – e me refiro a você, Alberto, em específico. É que já não tenho idade para, após 35 anos de profissão, ‘aceitar’ que a burla ao devido processo está justificada nos "recursos públicos recuperados".
Não há qualquer ganho quando o caldeirão da bruxa levanta fervura sobre a queima da lei e das garantias.
Tristes e ignaros trópicos, onde o mergulho raso e óbvio é dado por um órgão de classe do tamanho da OAB-PR.
Saudade Pai!
João dos Santos Gomes Filho, advogado paranaense
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