Recentemente o Governo Federal lançou o Certificado de Crédito de Reciclagem – Recicla Mais (Decreto nº 11.044/2022). A novidade institui novos atores e espaços de poder para a implementação e a operacionalização dos produtos com sistemas de logística reversa obrigatória, que ainda careciam de regulamentação no país.

O decreto pretende ser mais um incentivo para avançar o comprometimento das empresas com os objetivos e metas da Política Nacional de Resíduos (PNRS) de 2010. Tal necessidade é imperiosa, uma vez que passada mais de uma década, diversas postergações, baixos índices e, mesmo, a indiferença de alguns setores econômicos com retorno pós-consumo dos materiais, vêm comprometendo a execução da PNRS.

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Grande parte ou a totalidade dos custos econômicos, sociais e ambientais do retorno dos produtos e embalagens, após o uso pelo consumidor, ainda são bancados pelos municípios, população e catadores de resíduos, numa lógica de socialização das externalidades negativas.

De forma simples, o Recicla+ cria a possibilidade de que grandes empresas, representadas por organizações setoriais, atinjam suas metas de logística reversa por meio da compra de créditos originados de material reciclável reinserido em novos ciclos produtivos, por entidades como as cooperativas de catadores. A adesão ao Recicla+ é voluntária e, basicamente, todo o processo de certificação, fiscalização e validação do sistema será controlado por entidades vinculadas aos setores produtores dos resíduos.

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Entretanto, pelo menos quatro importantes problemas precisam ser revistos. O primeiro deles refere-se à inexistência de metas por região geográfica do país. A falta de dimensionamento espacial pode levar a um esforço concentrado de coleta das embalagens e materiais pós-consumo em grandes metrópoles.

Outro problema é a ausência de cota de logística reversa por material, permitindo que os créditos sejam efetivados de forma genérica, sem levar em conta o tipo de material colocado no mercado. Assim, materiais mais valiosos e com cadeias reversas mais consolidadas serão potencializados, enquanto materiais como o PET colorido e o vidro continuarão com baixos índices de retorno para novas cadeias produtivas.

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Defendemos que as empresas não podem colocar no mercado uma embalagem de difícil reciclagem e comprar crédito de outro tipo de material.

Um terceiro aspecto é que o decreto aceita a emissão de crédito de reciclagem por meio da recuperação energética dos resíduos, proposta que contempla a queima dos materiais. Esta concessão não parece ser contraditória para um programa denominado Recicla+? Ao permitir tal situação, o decreto fere a ordem de preferência para a gestão dos resíduos apresentada na PNRS (art. 9º) e equipara a reciclagem ao tratamento térmico.

Finalmente, o decreto coloca as organizações de catadores (e o modelo de reciclagem popular e solidária) como apenas uma opção, dentre outras possíveis para a realização da logística reversa, prejudicando a participação daqueles que até hoje são os maiores responsáveis pela cadeia de reciclagem no país. Essa relativização da importância das cooperativas fere a PNRS, que estabelece a priorização dessas organizações no processo de coleta seletiva.

Apesar dessas limitações, os possíveis efeitos positivos do Recicla+ dependerão muito do grau de mobilização dos municípios. Como todo instrumento voluntário, ele precisa de incentivos (pressão) dos governos, consumidores e da sociedade civil para promover as mudanças necessárias. Sem isso, é grande o risco de que o Recicla+ produza créditos de reputação a um pequeno número de empresas, de localidades e de resíduos sólidos mais bem remunerados, e comprometa a contribuição histórica das cooperativas de catadores.

Benilson Borinelli e Lilian Aligleri são docentes do Núcleo Interdisciplinar de Estudos em Resíduos (NINTER) da Universidade Estadual de Londrina.

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