No Brasil foi sempre muito difícil a configuração de uma terceira via. Quase me atrevo a dizer que nunca existiu. Tivemos surpresas eleitorais ao longo da história recente, mas nunca fugas ao script dos embates previsíveis. Em meu entender, o sistema não o permite. Por certo, não posso confundir terceira via com outsider, muito menos, com o velho de nova roupagem, ou então, um híbrido buscando o seu lugar em vazios previamente calculados. O processo político eleitoral brasileiro torna escassos ou inexistentes líderes novos que poder-se-iam apresentar ao eleitor como alternativas viáveis. Ou até serem chamados de “terceira via”.

Imagem ilustrativa da imagem ESPAÇO ABERTO - Terceira via
| Foto: Isaac Fontana/FramePhoto/Folhapress

Há em cada eleição a proposta de terra arrasada. Surge em regra, a aparente necessidade de se eliminar o passado e se impor uma marca própria. Se para isso for preciso o surgimento de salvadores da pátria, geralmente caraterizados por um personalismo narcisista, então que assim seja! A eliminação da corrupção, palavra-chave já no tempo da Velha República ou quiçá da monarquia, tornou-se o mote para a construção de novas plataformas eleitoreiras. E não eleitorais! Aliás, faz-se mister dizer, que se avançamos nesta questão e colocamos na cadeia figurinos de colarinho branco, a história nos elucidará sobre os meandros desse processo de expurgação da velha política. Contudo, os retrocessos nos últimos anos evidenciam equívocos caríssimos à nação e ao próprio sistema judicial. Não passou despercebido a ninguém neste país, que gente mal intencionada minou a expectativa geral da nação em ver o país passado a limpo!

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O Brasil está em campanha desde 2019. Não é fato inédito! Os vencidos se organizam para a revanche e os vencedores preparam a reeleição! Ficamos literalmente reféns de confrontos pessoais sem qualquer ideologia convincente, torcendo pela vitória de um ou outro, como se de uma final da Libertadores se tratasse! De um lado, o atual presidente, desidratado, com dificuldade de filiação, abandonando de vez os critérios da “boa política”, que enchiam a sua boca e as mensagens robóticas de WhatsApp no último pleito; do lado oposto, um partido que não conseguiu apresentar outro nome além do antigo presidente, capaz de eliminar opositores. Gravitam como planetas anões, as pseudo “terceiras vias”! Ora, o que seria razoável numa dita via alternativa, senão um chão programático consistente e um histórico convincente? Os que se enfileiram esperando a janela de abertura para avançarem ao segundo turno estão histórica e umbilicalmente ligados aos dois primeiros. Com isso, moralmente impedidos de reclamar a si o posto tão almejado.

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Claro está que tendo em conta a rejeição dos candidatos melhor posicionados, há espaço para outros avançarem. Porém, não lhes chamaria de “terceira via”. Com históricos bem diferentes, vejo-os como fruto do mesmo processo que gerou e alimenta o Bolsonaro e o Lula. Repetindo o que afirmei no início, o Brasil, ou sufoca precocemente as possíveis lideranças ou as vê sendo engolidas por esse sistema que nos impõe personalidades ganhando eleição com ausência de qualquer debate, ou recém-saídos da cadeia, visando resgatar a sua história. Será uma revanche sobre 2016 e 2018. Embora aceite que é direito do PT encarar o próximo pleito dessa forma, ou também seja legítimo o presidente disputar a reeleição, creio, no entanto, que o Brasil merecia mais. Há uma escassez total de ideias na praça. Bolsonaro ocupou o espaço da direita e não parece desocupá-lo e o PT não está disposto a ceder a outra força de esquerda que o pudesse suceder. As reformas quando surgem, são anãs e custam caríssimo aos cofres públicos, no acerto com o Congresso.

Temos muito chão até à primavera de 2022. Mas tudo indica que será, com certeza, um longo inverno para o novo governo. Na atual polarização da sociedade, governar o país exigirá uma concertação nacional profunda, que prescinda dos conchavos habituais entre executivo e legislativo e quem sabe, abra espaço ao surgimento de novos protagonistas. Um ambiente saudável com fortalecimento de partidos na oposição abriria, sim, espaço a outras vias num futuro próximo. Até lá, veremos e ouviremos o eleitor!

Padre Manuel Joaquim R. dos Santos, Arquidiocese de Londrina

A opinião do autor não reflete, necessariamente, a opinião da Folha de Londrina

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