Dias atrás, encontrei uma pessoa conhecida que há muito não via, e depois de um papo informal, ela disse que acompanhou as notícias de que minha mãe e meu pai haviam falecido e que imaginava o quão difícil deve ter sido cuidar de ambos doentes. Mostrou-se solidária, mas citou uma fala de sua avó: “o que a gente tem que passar neste mundo, ninguém passa por nós”. A afirmação incomodou-me e eu desviei o assunto.

A semana se passou, mas fiquei intrigada com aquele diálogo e volta e meia me pegava pensando nele. Minha mãe teve um AVC aos 79 anos, ficou com sérias limitações e veio a falecer após três anos e meio. Passados poucos anos, meu pai veio morar comigo e devido a vários pequenos AVCs, ficou de cama nos últimos cinco meses de vida, necessitou, também, de cuidados especiais, e faleceu aos 86 anos.

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Para mim, foram duas experiências sofridas, mas enriquecedoras, que potencializaram a minha humanidade. Dediquei-me a duas pessoas merecedoras do cuidado afetuoso de uma filha. Isso me fez olhar a vida com mais sabedoria e a ver o mundo, as doenças, os profissionais da saúde e as pessoas cuidadoras, com um olhar amadurecido.

Não, não quero pensar que foi algo que eu tinha que passar e que outros não passariam por mim. Eu vi como uma fatalidade que pode acontecer na vida de qualquer família, seja ela rica ou pobre. Uma outra e importante leitura que faço dessa vivência é que minha mãe e meu pai, apesar do sofrimento, puderam vivenciar a singular experiência de serem cuidados pela filha e pelo filho aos quais deram a vida e criaram. A depender da leitura que fazemos de nossas vivências, elas podem ter um efeito positivo ou negativo sobre nós.

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Em seu livro “Quando coisas ruins acontecem às pessoas boas”, Harold Kershner pergunta: Por que passamos pelo que passamos? O autor e também rabino, que perdeu seu filho com 14 anos, vítima de uma doença incurável, relaciona várias afirmações comumente ditas pelas pessoas, para apontar a causa do sofrimento, com a intenção, talvez, de consolar. A primeira é dizer que a pessoa é merecedora do sofrimento e que, portanto, ele veio como uma punição por algo errado que a mesma fez. Como ninguém é perfeito, se isso fosse correto, todas as pessoas no mundo seriam merecedoras de um castigo.

A segunda afirmação é a de que Deus tem boas razões para deixar acontecer algo de ruim a alguém, pois é de Sua vontade. Como um Pai justo poderia fazer alguns de seus filhos – e não outros – passarem por uma doença, acidente ou infortúnio? Que razões teria Deus para tratar bem uns e outros mal?

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A terceira diz respeito ao sofredor considerar “o sofrimento como uma contribuição para uma grande obra de arte projetada por Deus”. De acordo com o rabino, nesse caso, o sofredor buscaria encontrar uma solução hipotética para um problema real.

A quarta afirmação é a de que Deus dá o sofrimento para reparar os defeitos de uma pessoa de modo a torná-la melhor, assim, o sofrimento é visto como um ato educativo. Uma outra afirmação pondera que Deus dá o sofrimento à pessoa por considerá-la forte o suficiente para suportá-lo. Neste caso, a pessoa poderia refutar dizendo que gostaria, então, de ser fraca.

Após citar outras frases que as pessoas comumente usam, o autor diz que não se pode considerar que Deus está no controle de tudo o que nos acontece de ruim. Ele prefere crer que Deus não é a causa do nosso sofrimento, mas o nosso socorro nos momentos difíceis. Para sustentar sua afirmação, cita o Salmo 121:1-2: “Elevo meus olhos para os montes: de onde virá meu socorro? O meu socorro vem do Senhor, que fez o céu e a terra”.

Acompanhei meu marido, na luta contra um câncer e ouvi, várias vezes, afirmativas como essas. É bom compreender que todos estamos sujeitos a doenças ou infortúnios na vida. É aliviador passar por tudo sem ter que culpar a si próprio, ao destino ou a Deus. É consolador poder contar com o socorro de Deus.

Mary Neide Damico Figueiró é psicóloga, doutora em educação, professora aposentada da UEL, de Cambé

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