Ganhei apelido de Ouvidor do Barulho protestando contra a barulheira no Calçadão, das lojas bregas com som na porta aos pastores do delírio e sindicalistas sem desconfiômetro. Não sei se e quanto o Calçadão se civilizou ou não desde então, porque, como tantos, mudei de lá. Aquela barulheira era diurna, agora o inferno sonoro é noturno na Rua Paranaguá.

Imagem ilustrativa da imagem ESPAÇO ABERTO - O inferno da cidadania
| Foto: Isaac Fontana/FramePhoto/Folhapress

A poluição ou agressão sonora continuada é sempre caso de prevalência do marginal – à margem das leis - sobre o social, as pessoas que, com uns 40% de impostos embutidos nos preços de tudo, sustentam os poderes públicos que deveriam fazer cumprir as leis. Os bares com música alta ou ao vivo e sem isolamento acústico, como deveriam ser por lei ou nem poderiam funcionar, acham-se no direito de infernizar a vida da vizinhança em nome de seus “muitos empregos” - sempre porém com menos empregados que os moradores da vizinhança, que trabalham e vivem de dia e precisam dormir, tem direito ao descanso com sossego.

Os avanços civis, como não fumar em recintos, foram sempre rechaçados ou mal recebidos pelas associações de bares, assim a evidenciar que a saúde das pessoas, dentro ou fora do ambiente, não lhes importa. Em Londrina, tal associação, em nome também dos tantos empregos, foi contra a proibição de beber na rua, que vigora no Primeiro Mundo. Onde também é dever do bar ou restaurante manter ordem em sua calçada, enquanto as calçadas da Paranaguá toda noite se transformam numa mistura de festa a céu aberto com mictório público, algazarra e roncação de motos. São os bares que atraem e, com seu som, estimulam essa marginália que debocha da cidadania, enquanto os reclamos da população são ignorados. E, repita-se, embora os bares com música não possam funcionar sem isolamento acústico, recebem seus alvarás para funcionar acima das leis colecionando multas.

Ali ficou difícil alugar imóvel. Muitas janelas tem vidros antissom, gente prisioneira em casa. Será que a velha rua vai ter a ordem e a dignidade restauradas? Ou caminhará para ser uma rua tão agitada quanto pobre, de princípios pobres e, portanto, resultados também sempre pobres? É só olhar o mundo: onde há barulheira e desordem, não há prosperidade.

Os músicos deveriam ser os primeiros a apoiar o cumprimento das leis, para terem locais adequados para trabalhar, sem o sentimento de tocar e cantar ferindo gente em redor. Sim, ferindo, pois só quem sofreu ou sofre perturbação sonora sabe como fere. Ouvir noite afora e cabeça adentro o que não se quer ouvir, algodão nos ouvidos, o coração batendo com raiva, na boca o amargor da cidadania derrotada. E tome pressão alta. E acorde com nojo de sua cidade onde as leis se curvam às cumplicidades entre os poderes públicos e as conveniências privadas.

Na quieta Rua Meinecke, intrigado de ver tantos jovens entrando por uma porta estreita, entrei e deparei com um imenso Hard Rock Café, sonzão rolando, mas na calçada não se ouvia nada. Na esquina, um violinista de rua contou que tocava ali toda noite, até as dez, “em respeito aos moradores”. A Rua Meinecke fica em Berlim.

Na Rua Paranaguá, Londrina está entre civilidade com prosperidade ou conivência com marginalidade. O bom exemplo é Gramado/Canela, RS, e maus exemplos é preciso procurar bem, porque, repita-se, onde há barulheira e desordem, não há nem prosperidade nem longevidade. Tolerar e justificar o que é errado nunca dá certo.

Domingos Pellegrini, escritor e colunista da Folha de Londrina.

A opinião do autor não reflete, necessariamente, a opinião da FOLHA.

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