Estou no 9º ano do ensino fundamental e faço parte de um grupo de estudos no qual investigamos o conceito de justiça. Em um dos encontros, discutimos sobre Hannah Arendt. Interessei-me muito pelas pesquisas dessa filósofa, pois elas contribuíram para que eu pudesse elaborar algumas reflexões sobre a relação entre o evidente crescimento do número de casos de violência contra as mulheres e o atual período pandêmico.

Imagem ilustrativa da imagem ESPAÇO ABERTO - Feminicídio
| Foto: iStock

Na obra “Eichmann em Jerusalém”, Arendt cunhou dois conceitos: Mal radical e mal banal. Vou usá-los aqui para elaborar minha argumentação. Como é sabido, infelizmente muitos ainda relativizam as violências cometidas contra as mulheres. Acredito que quando um agressor pratica tal tipo de crime pela primeira vez, de certa forma ele se ampara na banalização das maldades que são voltadas especificamente contra pessoas do sexo feminino.

Não é para menos que existem ditados absurdos como “em briga de marido e mulher, não se mete a colher”. A meu ver, deve-se meter a colher sim, pois essas brutalidades são muitas vezes pautadas na animalesca imposição da superioridade física por parte do agressor e, de acordo com as estatísticas, esse tipo de crime costuma ser rotineiro, o que faz com que o agressor o veja como algo normal. De acordo com Arendt, é nesse momento que se chega ao mal radical, uma vez que o criminoso passa ferir e/ou inferiorizar sua parceira sistematicamente. Em outras palavras, o mal se transforma no próprio fim de suas ações.

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Por que é importante tratar desse tema dentro do atual contexto pandêmico? Porque a curva de feminicídios cresceu consideravelmente. Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), foram contabilizados 1.350 casos de feminicídio somente em 2020 e esse número é 0,7% maior quando comparado com o do ano anterior. No entanto, curiosamente o registro de boletins de ocorrência referentes a outros crimes praticados contra mulheres nesse mesmo período caiu. Como explicar isso?

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Acredito que casos do tipo que foram praticados durante o período de confinamento tenham sido subnotificados e que os dados tenham vindo à tona somente após a morte das vítimas, afinal, parte considerável dos agressores são os próprios companheiros/ex-companheiros (81,5% dos casos). Ainda de acordo com o relatório do FBSP, no ano passado foram registrados 60.460 casos de estupro, o que representou uma queda de 14,1% em relação aos números de 2019.

Ainda sobre o abuso sexual, destaco que a maioria das vítimas é do sexo feminino (86,9%) e tem no máximo 13 anos (60,6%). Os registros de lesões corporais e de estupros feitos na polícia também caíram em 2020. Foram 230.160 notificações, uma queda de 7,4% quando comparados aos números de 2019.

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De acordo com as pesquisadoras Samira Bueno, Marina Bohnenberger e Isabela Sobral, "neste contexto, ainda é cedo para avaliar se estamos diante da redução dos níveis de violência doméstica e sexual ou se a queda seria apenas dos registros em um período em que a pandemia começava a se espalhar, as medidas de isolamento social foram mais respeitadas pela população e muitos serviços públicos estavam ainda se adequando para garantir o atendimento não-presencial”.

No entanto, seria muita coincidência que várias daquelas estatísticas terem diminuído, menos a do feminicídio. Não duvido dos dados, apenas acredito na hipótese da subnotificação, já que várias daquelas mulheres praticaram o distanciamento social junto aos seus agressores.

Por fim, reforço a complexidade do tema, mas pensar sobre ele a partir de estatísticas e de Arendt pode ajudar. Anatomicamente falando, o homem tende a ser mais forte que a mulher. Utilizar-se dessa situação para praticar violências contra um gênero em específico significa renunciar à própria consciência. Isso se enquadraria naquilo que Arendt chamou de mal banal. Assim sendo, não podemos cometer o mesmo erro. Nesse contexto, calar é consentir.

Precisamos olhar diretamente para os olhos desse problema e encará-lo com inteligência. Os dados e a fundamentação teórica estão a nossa disposição, agora precisamos partir para a ação: sabe de algo suspeito? Sofreu algum tipo de violência? Busque ajuda. Denuncie

Leticia da Rosa Sardeto, aluna do 9º ano do Colégio Mãe de Deus

A opinião da autora não reflete, necessariamente, a opinião da Folha de Londrina

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