Londrina implanta Observatório de Feminicídio
Iniciativa é de um grupo de ativistas feministas e tem o objetivo de consolidar-se como um dispositivo de ações de enfrentamento da violência contra mulheres
PUBLICAÇÃO
domingo, 02 de maio de 2021
Iniciativa é de um grupo de ativistas feministas e tem o objetivo de consolidar-se como um dispositivo de ações de enfrentamento da violência contra mulheres
Vitor Ogawa - Grupo Folha

O Néias - Observatório de Feminicídio de Londrina é uma iniciativa de um grupo de ativistas feministas do município, cujo objetivo é consolidar-se como um dispositivo de ações de enfrentamento da violência contra as mulheres. Lançado na semana passada, o observatório busca promover a participação da sociedade civil no acompanhamento das ações de formadoras/es de opinião, da administração pública e do sistema de justiça.
O nome é uma alusão a Cidneia Aparecida Mariano da Costa, que foi jogada em um matagal depois de ser brutalmente espancada pelo ex-companheiro Emerson Henrique de Souza. Ele foi condenado a 23 anos, dez meses de reclusão e um dia de detenção pelo crime. Néia, como era chamada pelos mais próximos, sobreviveu após ser encontrada por uma desconhecida que chamou o Samu. Contudo teve uma síndrome neurológica chamada encefalopatia hipóxico-isquêmica que resultou na perda dos movimentos.
Uma das 17 integrantes do observatório é a socióloga e professora da UEL (Universidade Estadual de Londrina), Silvana Mariano, irmã de Néia. “É uma homenagem generosa delas batizar o observatório com o nome da Néia, porque foi o caso que nos juntou, mas não é um quadro distinto dos demais. É uma honra, mas por outro lado é uma responsabilidade com esse enfrentamento”, declarou Mariano.
Por meio do site www.observatorioneia.com , a organização da sociedade civil vai divulgar e acompanhar o andamento de processos dos casos de feminicídio consumado e de feminicídio tentado em julgamento pelo Tribunal do Júri na Comarca de Londrina. O grupo pretende sistematizar, analisar e dar visibilidade a dados sobre situações de feminicídios ocorridos no município, produzindo conhecimentos que subsidiem estratégias de monitoramento e de prevenção da violência feminicida. Também está no escopo de ações o acompanhamento de processos e audiências judiciais dos casos e a publicização do fluxo de atendimento para as mulheres e seus familiares atingidas/os por práticas de violência feminicida.
PROCESSO PÚBLICOS
“Estamos lidando com casos que não estão em segredo de Justiça. São processos publicamente acessíveis que obtivemos em contato com a 1ª Vara Criminal de Londrina, responsável pelo Tribunal do Júri. Solicitamos informações sobre a pauta de processos que envolvem feminicídio consumado ou tentado, pegamos mais dados com auxílio de advogadas e juntas analisamos o processo. Eu sou socióloga e temos antropólogas, psicólogas analisando os processos para municiar a imprensa com essas informações”, destacou.

O Informe nº 1, já disponível no site, apresenta o caso de tentativa de feminicídio contra uma mulher de 53 anos e outras informações recentes sobre o tema, considerando eventos em Londrina. “Este primeiro número é publicado enquanto o Brasil vive o aprofundamento das tragédias sanitária, econômica, política e social agravadas pela pandemia de Covid-19 que potencializa outra pandemia, a da violência contra as mulheres”, diz o comunicado do grupo.
“O Tribunal do Júri estava marcado para o dia 8 de abril e não aconteceu devido ao agravamento da pandemia. No momento que acontecer vamos assistir a sessão e realizar a análise de como o julgamento decorreu. Estamos especialmente nos atentando em estratégias que incorrem em responsabilização da vítima”, apontou a socióloga.
“Não fomos atrás dela, pois temos que avaliar o quanto isso é invasivo. Se a repercussão chegar até ela e à família, e se ela se sentir confortável em nos procurar pode ser vantajoso para melhorar a qualidade das informações das quais dispomos. Por enquanto nós avaliamos não fazer essa iniciativa de aproximação das vítimas. Antes vamos ver como repercute com o próprio conhecimento da população sobre a existência do observatório. Como trabalhamos nos bastidores e só viemos a público agora, esse conhecimento pode gerar expectativas distintas daquelas que temos condições de responder”, explicou a socióloga.
GERANDO VISIBILIDADE
Ela ressaltou que na periferia é onde está a maior parte da população e onde muitos casos como esse são invisibilizados. “Acreditamos que vamos dar visibilidade a esses casos, especialmente com o auxílio da imprensa. Podemos ser úteis, com o trabalho de levantar informações sobre esse caso, estudar o processo, selecionar informações e detalhes como fizemos neste primeiro informe. Acreditamos que podemos ser úteis chamando a atenção para determinados aspectos. As mulheres, especialmente das camadas populares, podem ser alertadas sobre esse ciclo da violência que antecede o crime de feminicídio ou tentativa de feminicídio e tentar se proteger antes de chegar nesse nível de violência”, declarou Mariano.

“A CIDH (Comissão Interamericana de Direitos Humanos) tem reportado o crescimento de assassinatos de mulheres na região no contexto do isolamento social gerado pela pandemia de Covid-19. Nesse momento, tornam-se ainda mais urgentes ações do Estado para prevenir, responder e remediar fatos de violência e de discriminação contra as mulheres”, destacam as integrantes do grupo.
“A violência feminicida ceifa a vida das mulheres, produz vítimas diretas e indiretas, como filhas, filhos e familiares da mulher vitimada; é um atentado à dignidade humana das mulheres e um ônus para o conjunto da sociedade. Ao dar visibilidade aos processos e dar voz às mulheres que foram caladas simbolicamente ou literalmente por homens feminicidas, o Observatório busca contribuir para a construção de uma sociedade melhor, em que mulheres e homens contem com o mesmo reconhecimento de sua dignidade humana e direitos fundamentais.”

