O desfile militar do último dia 10, por coincidência no mesmo dia da votação, na Câmara, da denominada “PEC do voto impresso”, pode ser visto por dois ângulos distintos.

Imagem ilustrativa da imagem ESPAÇO ABERTO - Dos fatos e experiências que insistimos em ignorar
| Foto: Treinamento da Marinha na Operação Formosa 2021

Pela nota do dia 09/08 da Marinha Brasileira, o objetivo do recente desfile militar era a entrega, ao presidente, de um convite para participar da “Operação Formosa 2021”, que ocorre, em verdade, na localidade de mesmo nome (e não em Brasília), e que ter sido realizado na data da votação da PEC era mera coincidência.

Ainda que, em nota, a Marinha tenha se posicionado no sentido de que a entrega do convite “foi planejada antes da agenda para a votação da PEC 135/2019, não possuindo relação com a mesma, ou qualquer outro ato em curso nos Poderes da República”, por questão de bom senso, a entrega desse convite poderia ter sido adiada - ou ter ocorrido de forma simbólica.

Se o intuito do desfile foi, tão somente, entregar esse convite, pelo que se viu do desfile, a Marinha poderia ter nos poupado de tamanho vexame internacional, com um escalafobético desfile de velharias. Nem mesmo tiveram a cautela de “retificar” o motor do vetusto blindado – que mais parecia um gasogênio ou um fumacê da dengue, que nos transformou em meme em todas as redes sociais de quase todos os países.

Tivesse o Brasil algum risco de ser invadido por vizinhos, o momento seria esse, diante da apresentação do protótipo de “L´armata Brancaleone” que, se vivo fosse, faria inveja a Mario Monicelli.

Note-se que o impacto negativo foi tão grande, que jornais como o inglês “The Guardian” nos nominou de “República de Banana”, o que nos remete ao filme de mesmo nome de Woody Allen – de 1971, que, usando a mesma “coincidência” da Marinha, tem a mesma idade dos seus blindados. Vale lembrar: - se era realmente um “desfile”, tínhamos notadamente coisas muito melhores para mostrar, o que só aumenta o nonsense do que se viu.

Por outro lado, se outro foi o intuito desse maltrapilho desfile, aí talvez estejamos a ignorar tudo que a história nos ensinou.

Existe uma lenda de que o exército romano não podia adentrar os portões da Roma antiga, e isso é meio relativo. Era o comandante das legiões que era impedido de adentrar em Roma com suas legiões, podendo adentrar apenas sozinho ao Templo Capitolino de Júpiter (e ali sem qualquer mando).

Isso ocorria para que esse comandante não se sentisse tentado a, no comando de suas legiões, tomar o poder do imperador, que era protegido pela denominada guarda pretoriana. E havia aí uma grande ironia.

Enquanto os imperadores romanos sentiam-se protegidos pelos pretorianos, eram esses o real poder por trás do trono. E tinham o deletério hábito de depor “césares” segundo seu bel prazer, obviamente matando todos eles, lembrando que a deposição gerava uma considerável remuneração suplementar aos mesmos, porque era interesse dos que entravam em substituição.

E o símbolo nas vestes dos pretorianos era curiosamente um escorpião que, porquanto não fosse proposital (e sim oriundo do zodíaco do imperador Tibério), era como que uma piada pronta.

O desfile militar dos pretorianos dentro de Roma, que dava a impressão de segurança ao imperador, nunca ameaçou diretamente o Senado romano. Se bem analisado, era a garantia de que o poder do Senado estaria sobreposto a todos aqueles que ocupassem momentaneamente aquela posição de imperador. E foram vários.

Dito de outra forma, a grande e conhecida pompa dos pretorianos (que faltou ao nosso desfile) nunca mostrou o poder do imperador. Mostrava tão somente o alto poder dos pretorianos, ficando o iludido “Cesar” da vez com o delírio de que o poder era totalmente seu.

É a primeira vez na história do Brasil que o desfile de “Formosa”, que representa nosso poderio militar (que seria, para Roma antiga, suas legiões) passa por Brasília. E aqueles que passaram nos veículos não eram equiparados aos pretorianos. Esses estavam, como sempre, ao lado do Comandante em Chefe no momento do ato. Roma nunca cometeu esse erro.

Há um episódio parecido do falecido Fujimori, no Peru, e todos sabem o final. E sobre exemplos não seguidos, bem lembra o irlandês Edmund Burke, que “um povo que não conhece a sua história está fadado a repeti-la”.

Roberto de Mello Severo e Matheus Taker Igarashi são advogados

A opinião que consta no artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Folha e é de responsabilidade dos autores.

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