Houve, na última terça feira (10/08), o anunciado ‘desfile militar’ na esplanada do Planalto. O messias cumpriu a promessa e, no dia em que o Congresso enfrentou a pauta política pela volta do voto impresso, os veículos militares deram o tom menor – tudo conforme anunciado pelo governo. Ter gente aplaudindo, todavia, é o que espanta.

Ponderar bom senso a quem elege mitos e nega a magia (‘Maria, Maria é um dom, uma certa magia’...) não faz qualquer sentido a esta altura dos acontecimentos, onde o que importa não é a formação da manada e sim o alcance do mugido...

Todavia, não posso abandonar minha inquietação, pois é esta a matriz da angústia. Além do que, não vou seguir represando o mal das fake news. Tampouco fugir do fato de que a escuridão parida nesta distopia foi gestada no último golpe (que a mídia familiar brasileira copatrocinou), lá em 2016...

É essa sensação (angústia pela vida que foi, inquietação pela que deverá se estabelecer) que impõe o questionamento: a militarização de um governo atende a qual certame democrático?

Fãs de mitos sempre terão alguma estultice na ponta da língua a mitigar a racionalidade (mínima) que se espera até dessa gente...

Essa entrega servil, todavia, ainda que patrocine a criação de um novo signo para a eventual mensagem que os pesados militarizados na rua possam significar, não vence o pó da própria origem: nada era, segue nada sendo...

Um último bramido talvez encoraje os que estão a balir sem pensar, fazendo, quiçá, alguma diferença na votação anunciada de um projeto tão estúpido quanto seu balido de apoio, em favor do restabelecimento da urna de pano em substituição à eletrônica...

Não sei e sigo temerário quanto à resposta para o mugido militarizado, notadamente porque sua convocação vai muito além do usual berrante, encontrando em rede social um palco distópico...

Perdi, já o disse nesta Folha, relações de décadas, dentre estas algumas amizades que, seguramente, me custam caro desligar – a parede da memória conjuga adobe em lugar de reboco cimentício...

A pandemia só fez aumentar a dor do mugido, potencializando o desespero da boiada que caminha em círculo para o abate, ainda que desconhecendo a própria desventura...

Identifico na elipse cognitiva dessa gente a ausência de percepção acerca do custo gerado na supressão dos cuidados que a cidadania reclama; seguem incapazes de olhar o próximo e alinhar uma hipótese qualquer que não seja uma conjuntura de mercado.

Seguem justificando a opção pelo movimento ignóbil que alinha a distopia e despreza a razão, escurecendo com cores da ignorância toda uma herança iluminista...

Essa nova ordem de cousas desconecta a realidade do fato histórico, desligando dos acontecimentos sua linha cognitiva aprumada na realidade. O acontecimento já não precisa, necessariamente, ter acontecido: basta ser interessante ao universo paralelo.

Longe de albergar um qualquer traçado artístico, esse multiverso perverso não metaforiza a solidez da existência; tampouco oferta ao dia qualquer cousa além de vestígios do que já não somos – eis que o outro morreu, há tempos, na enxurrada neoliberal...

Essa gente egoísta se põe a criticar o padre que leva comida aos descamisados que vivem na dureza do concreto, ao sabor do vento glacial que nos alcançou neste inverno. Essa gente detém mandato popular, conferido em eleição livre, e fala em favor do mercado contra a minoria desabrigada e faminta da cracolândia paulista.

Serão estes os novos bandeirantes? Haverá uma estátua sua, janaína, em praça pública em um futuro próximo? Se queimada a escultura qual valor vosso o mercado destacará? Lealdade ao capital?

Para cada época de dor há um ‘Sentimento do Mundo’ gizando em gris uma ‘Praça de Convites’...

A messe de nossos dias é uma enorme rede social onde campeiam ignorância e egoísmo, vendidos quase sempre por charlatões que cobram dízimo em nome de Deus...

Cristo, em nossos dias egoísticos e ignavos de rede social, seria negativado e, ao dizer de pão e partilha, correria risco de ser desconstruído por gente que enriqueceu supostamente vendendo sua palavra em templos salomônicos...

Lugar comum e frases de rede social não compõe o ideário racional que a história alberga, conquanto o conhecimento do passado é condição de viabilidade na projeção do futuro...

Os tanques nas ruas de Brasília são uma ofensa à democracia e calar nesta hora é ter medo de mito. Eu não tenho. Meu saudoso pai ensinou o valor do conhecimento e a grandeza de amar. Sigo com Ele, ainda que amar me faça um outsider nos dias de hoje.

Há medo e só medo na mensagem que os veículos militares passam, mas o medo não é meu, seu, dela. O medo é do messias.

João dos Santos Gomes Filho, advogado

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7 de agosto de 1843

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