Reinauguramos há poucos dias o Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo. O melhor e o maior do mundo lusófono. Uma obra de gente e para gente que ama a sua identidade. É disto afinal, que estamos falando!

Imagem ilustrativa da imagem ESPAÇO ABERTO - Língua portuguesa
| Foto: Rovena Rosa - Agência Brasil

Das cantigas de escárnio e maldizer até Luís Camões, passando pelos textos do grande dramaturgo Gil Vicente, e desembocando nos gigantes do século XIX, Camilo, Eça, Herculano, José de Alencar, Machado de Assis, Euclides da Cunha, para adentrarmos no século XX, com Monteiro Lobato, Graciliano Ramos, Fernando Pessoa, Cecília Meireles, Carlos Drummond de Andrade, Érico Veríssimo, Sophia de Mello Breyner Andresen, Mário Cesariny, Virgílio Ferreira, a nossa língua mostra-se tão viva quanto dinâmica.

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Ou se quisermos, está viva até hoje, exatamente por esse motivo: pelo dinamismo e versatilidade. É a língua portuguesa. Enriquecida com os sotaques mais variados, não esquecendo os africanos, com os seus também inúmeros escritores e poetas.

Somos o nono idioma mais falado, com duzentos e sessenta milhões de falantes. Não é pouco! A palavra ありがとう (arigato) saiu da boca dos comerciantes portugueses no século XVI, numa gentil expressão de gratidão.

Tendo em conta a odisseia histórica dos meus antepassados e mais recentemente, a mobilidade de brasileiros e membros das ex-colónias africanas, é de se acreditar que em todos os continentes e ilhas, encontremos alguém se comunicando na língua dos Lusíadas! Ou algo semelhante!

O mundo português tem o tamanho da sua língua. Às vezes língua afiada; outras, língua felina; em não menos ocasiões, lisonjeira e bem-humorada. As piadas na nossa língua, entendemo-las porque vivemos nesse líquido amniótico chamado Lusitânia. Não importa, o quanto essa antiga província romana foi ampliada, por mares nunca antes navegados ou florestas nunca como hoje devastadas!

Os mecanismos linguístico-cognitivos dessa identidade profunda, que tanto nos caracteriza, são a nossa marca primordial. Pensamos, falamos e respiramos com a língua e pela língua portuguesa! Não é uma língua fácil. Eu mesmo tive notas baixas no colegial e em Portugal, como aqui, vários alunos reprovam em “português”! Porém, conceitos como saudade e tantos outros, não encontram tradução adequada em mais nenhum idioma. É uma língua castiça, repleta de acréscimos parolos e modas caipiras.

Lá onde o sol nasce, as medalhas olímpicas dos atletas brasileiros, como a de prata de Rayssa Leal, de treze anos, a de ouro de Rebeca Andrade ou de bronze de Bruno Fratus, falam a nossa língua. Mesmo quando o nadador grita: "Os cara é grande, mas nois é ruim. Aqui é Brasil”, isso soa a Camões. Isso é coisa nossa! Os heróis em Tóquio ou o Cristiano Ronaldo nos gramados europeus, orgulham-nos na nossa língua e até apagam tanta verborreia que nos envergonha diariamente, na boca de pessoas que abusam das palavras e desonram a etérea língua portuguesa. Ela é alma de um povo. Não pode ser agredida nem ultrajada. Como laços inquebráveis e músculos de um corpo, a língua portuguesa nos põe em movimento e nos estabiliza.

Em momentos peculiares que os países lusófonos atravessam, ameaçando uma desintegração, via radical polarização ideológica, a língua pode salvá-los. Há no idioma de Drummond e Camões, espaço democrático de conciliação conceitual, com acomodação de posicionamentos divergentes. Uma língua rica e poderosa, que presta um enorme serviço aos que buscam a primazia da civilização sobre a barbárie.

O grande pregador e mestre no uso na língua portuguesa, padre António Vieira, nascido em Portugal, e falecido aqui no Brasil, tinha no seu estilo barroco as caraterísticas do culto ao contrate e o uso de antíteses e paradoxos, abrindo o espaço ao diferente, numa tentativa clara de abrigar, não apenas sob o guarda-chuva da religião, mas dos seus próprios conceitos, os que pensavam muito diferente.

Era a vitória de uma língua que nasceu com o DNA da pluralidade e avessa ao simplismo monocrático. A nossa língua, não é uma língua qualquer! Como nos lembra Victor Lopes: “todas as noites 260 milhões de pessoas sonham em português”! E que a língua viabilize a sua realização, é o que eu desejo, em português!

Padre Manuel Joaquim Rodrigues dos Santos, Arquidiocese de Londrina

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