"O pensamento parece uma coisa à toa, mas como é que a gente voa, quando começa a pensar". Lupicínio, ah Lupicínio, quantos Rodrigues haverá entre nós? Como discordar de você? Afinal, "minha casa fica lá detrás do mundo, onde eu vou em um segundo, quando começo a cantar"...

O pensamento sempre guardou voos mais altos e demarcou o ideário do sonho (às vezes factível, outras intangível) na composição coletiva de nossas ilusões primevas. A fantasia pode ser surreal (diria que Picasso não sonhava com o pincel?), ainda assim será fruto de nosso limite, justamente porque tende a racionalizar circunstâncias, ao tempo em que cola na resiliência da vida o "manto diáfano da fantasia"..

Imagem ilustrativa da imagem ESPAÇO ABERTO - Felicidade foi-se embora...
| Foto: iStock

Mas não é nisso que acredita a promotora pública Maria Paula Machado de Campos – ao menos em sua opinião institucional pela rejeição da representação ofertada pela defesa de Lula em desfavor de um indivíduo (empresário José Sabatini) que ameaçou o ex-presidente em um vídeo, empunhando uma arma...

A promotora, pelo que li na rede, pugnou o arquivamento da representação obtemperando o que apelidou de "livre manifestação do pensamento". Disse, ainda, que o representado teria agido por comoção...

Trata-se de uma ação penal pública condicionada à representação (da vítima) dirigida ao titular da ação penal (Ministério Público). Ao receber autorização de Lula para perseguir em juízo o empresário que lhe ameaçou, a promotora pugnou o seu arquivamento, deixando de ofertar a denúncia – que pode ser encaminhada pelo próprio ofendido (Lula), em substituição ao Ministério Público. Há, ainda, hipótese de recurso ao procurador de Justiça do estado...

Noves fora o que possa acontecer, o que já aconteceu é mais que suficiente para demonstrar a absoluta depuração de nossa época, onde um elemento de razão (pensamento) que, em tese e conforme leciona Lupicínio, deveria fazer o homem e a mulher voarem, é convocado pelo estado (Ministério Público) para justificar uma opção funcional (pelo arquivamento da representação). Pode isso Arnaldo?

Mundo, mundo, vasto mundo – É você Raimundo?

Pior é a promotora abrir diálogo com o que identifica enquanto "polarização da sociedade", sugerindo a miséria existencial de que essa divisão social passou a tolerar modelos irracionais de manifestação, estatuindo um discrímen quando tal polarização for fruto da "livre manifestação do pensamento"...

Podia não ter lido isso. Deveria ter me ocupado de outras e mais significativas circunstâncias. Mas não; cai da armadilha de buscar a luz que não luziu, escurecendo ainda mais meus pensamentos...

O direito agoniza na polarização de apedeutas que estão articulistas e, sempre que estes se manifestam (seja em nome da instituição nobilíssima do Ministério Público ou do estado (Juiz), a resultante enviesa a distribuição racional da justiça, ao tempo que desfoca a dogmática de seu trilho secular...

Há muita desonestidade dogmática na fala opinativa da promotora, mas nada supera sua visão apocalíptica de que a arma em punho convive com uma qualquer "livre manifestação do pensamento".

A arma, promotora, simboliza a irracionalidade da "polarização" sugerida em vossa cota, o que retira qualquer extrato de "liberdade na manifestação", uma vez que a ausência de luz (razão) não liberta e sim oprime!

De arma em punho qualquer coisa que alguém fale em um vídeo, notadamente se tais coisas são agressivas e ditas em tom de severa ameaça (faça isso ou eu faço o que o revólver permitir) não convive com a pacificação social que deve pautar a busca do articulista no estado democrático de direito...

Demais disso não há como o pensamento a que alude a promotora voar, cumprindo o desiderato poético de Lupicínio, naquilo que voar (que seria nosso maior sonho) já não é possível justamente porque o pensamento irracional não sai do chão...

A irracionalidade sugerida na cota ministerial, por absurda que se revele, tanto quanto não constrói pontes sobre a identificada polarização social em que nos encontramos, suposto que alimenta seus circunstantes no ódio de sua opção não empática...

Todavia e enquanto nossas instituições se abastecerem de gente que opina sem cuidado dogmático, desconhecendo a história e desamparando a literatura, justificando suas falas na irracionalidade dos próprios pensamentos (que revelam desconhecimento e falta de empatia), constituindo verdadeiro patrocínio ignóbil da cizânia social que alimentam, a elite econômica de latino américa em geral e do Brasil em particular seguirá tendo todos os motivos para continuar sua aventura egoística, racista, machista e homofóbica...

Tristes trópicos onde a arma em punho, convocada em vídeo de ameaça, passa a valer por "livre manifestação de pensamento" pela fala de uma promotora pública...

Saudade pai.

João dos Santos Gomes Filho, advogado

A opinião do autor não reflete, necessariamente, a opinião da FOLHA.

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