Fiéis de quatro igrejas de Apucarana estão mais unidos do que nunca em torno de uma prece que se espalhou pelo mundo todo nos últimos 10 dias.

Igreja Ortodoxa Ucraniana da Paróquia Proteção da Santíssima Mãe de Deus
Igreja Ortodoxa Ucraniana da Paróquia Proteção da Santíssima Mãe de Deus | Foto: Gustavo Carneiro - Grupo Folha

Seja em missas concorridas na bela Catedral Nossa Senhora de Lourdes, colorida pelo amarelo e azul da bandeira ucraniana em várias ocasiões nos últimos dias, seja no envolvimento direto do prefeito Sebastião Ferreira Martins Junior, o Junior da Femac, que ofereceu ajuda humanitária à embaixada, Apucarana se resigna e assiste a guerra mais comovida que outras cidades do Norte Paranaense.

O motivo é simples: a coleção de histórias tristes que domina o noticiário da TV mostra fisionomias semelhantes a um grupo de desbravadores que ajudaram, ao lado de imigrantes de outros países, a derrubar matas nos anos 1930/1940 e semear o desenvolvimento na terra fértil. Com cerca de 300 famílias de descendentes, a comunidade é a mais numerosa da região.

Divididos entre católicos romanos e católicos ortodoxos, os ucranianos de Apucarana reforçaram seus laços com os antepassados em pelo menos quatro templos do município, dois na área urbana e outros dois na área rural. São locais nos quais a única arma de luta nestes dias de incerteza é a fé em Deus, a esperança que uma intercessão divina possa reverter a realidade de violência física e moral que os russos impuseram ao país.

O sacerdote José Hadada, 63 anos, um catarinense radicado na cidade há 20 anos e que também pertence a comunidade de imigrantes, tem um canal direto de comunicação com a autoridade eclesiástica da Igreja Greco-Católica Ucraniana em Kiev, denominação submetida ao Vaticano mas que tem um rito distinto dos Apostólicos Romanos, com rito litúrgico bizantino, no idioma ucraniano. Ele diz que além de repassar as informações aos fieis, tem feito homilias com conteúdo pacifista. A paróquia de Hadada engloba 10 comunidades, muitas na zona rural, um ponto de conexão de cerca de mil famílias de descendentes. Nas conversas, o padre não poupa otimismo. Para ele, as sanções econômicas e a impopularidade da guerra em território russo vão evitar o prolongamento dos combates. “Creio que será uma guerra curta”.

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Ele lembra do histórico dos conflitos com a antiga União Soviética que fizeram muitos ucranianos morrerem ou migrarem, assolados pela fome e pela violência que caracterizaram aquela fase totalitária. “Os mais velhos evitam ver as imagens atuais porque lembram de coisas terríveis que suas famílias sofreram”, conta. Há cinco anos, ele criou um memorial dos imigrantes, o primeiro do município, com acervo composto por objetos dos primórdios da colonização. Hadada também fomenta o aspecto étnico da paróquia com eventos gastronômicos, ainda suspensos por causa da pandemia.

“Os mais velhos evitam ver as imagens atuais porque lembram de coisas terríveis que suas famílias sofreram”, conta o sacerdote José Hadada
“Os mais velhos evitam ver as imagens atuais porque lembram de coisas terríveis que suas famílias sofreram”, conta o sacerdote José Hadada | Foto: Gustavo Carneiro - Grupo Folha

Em outro ponto da cidade, na Paróquia Proteção da Santíssima Mãe de Deus, ligada à Igreja Ucraniana Ortodoxa na América do Sul, o templo de estilo bizantino ostenta uma faixa que suplica: “Paz na Ucrânia”. É uma imagem comovente, ainda mais quando se sabe que dentro dela há um líder que deixou a Ucrânia há apenas uma década atrás. Eduard Tararuk não pôde atender a reportagem, o que foi feito pela voluntária Dorotea Tchopko, uma professora universitária de 49 anos que afirma que há muito tempo “é preciso orar pela Ucrânia e pelo Brasil”, o que está oficializado até nas obrigações litúrgicas.

“Nenhuma guerra tem vencedor, porque há baixas nos dois lados. E eu acredito que depois que a guerra acabar será muito difícil tanto para russos quanto para ucranianos”, opina. “Porém, a Ucrânia vai sofrer muito mais porque o país está sendo destruído”.

Ela diz não entender como algumas pessoas são capazes de se dobrar aos argumentos russos. “É como se alguém entrasse na sua casa e dissesse: ‘Vou pegar tudo e você não reclame, fique quieto, saia agora em silêncio’”, compara. “É uma visão muito paranoica”.

A professora acredita que as verdadeiras intenções do líder russo Vladimir Putin seja o controle político do país vizinho, com a troca de nomes do primeiro escalão do governo, inclusive na Presidência da República. “O mal está feito: crianças foram mortas para o desespero das mães, famílias foram divididas, empregos foram deixados. Mesmo se o fim estiver próximo, já foi uma experiência traumatizante”, avalia. E o que poderia ser feito para ajudar? “Agora, o mundo está de mãos atadas. Isso aconteceu porque houve uma demora na reação internacional. Tudo começou na Crimeia, aquilo não poderia ter acontecido”, lamenta, referindo-se à anexação da província autônoma da Ucrânia em 2014, praticamente sem resistência e com consequências consideradas muito suaves para a Rússia.

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