Quem nunca pensou em subdividir em pequenos “lotes” uma área rural que herdou da família para a formação de chácaras? Muitos se sentem incentivados porque ouviram que “um amigo do meu parente fez um loteamento de chácaras na área dele e está ganhando muito dinheiro”.

Ninguém entende exatamente o porquê, mas é sabido que esse tipo de negócio pode dar problemas, afinal de contas quem compra o “lote” não tem direito à “escrituração do imóvel”.

O proprietário de uma área rural não pode, pelo simples fato de ser proprietário, usar ou alienar a terra da forma que desejar. Antes disso, é fundamental verificar se a lei permite o negócio pretendido.

Explicando: a legislação brasileira trata a área rural de forma distinta da área urbana. As leis que regulam a área rural e o parcelamento do solo rural não são as mesmas leis que regulam as áreas urbanas e o parcelamento do solo urbano. Essa diferença se explica em razão da localização e da finalidade de cada área.

A área rural está localizada em zona rural e se destina à exploração extrativa agrícola, pecuária ou agroindustrial. A lei federal que regula essas áreas é o Estatuto da Terra (Lei 4.504/64). De outro lado, as áreas urbanas estão localizadas em zona urbana ou de expansão urbana e se destinam à moradia, lazer, comércio, entre outros.

A lei federal que trata sobre o parcelamento do solo urbano é a Lei 6.766/79, sem prejuízo da aplicação de normas criadas pelo Estado e pelo Município, sobre as peculiaridades locais.

Ao parcelamento rural não se dá o mesmo tratamento dado ao parcelamento de solo urbano. O Estatuto da Terra prevê que o imóvel rural não é divisível em áreas de dimensão inferior à constitutiva do módulo de propriedade rural.

Em complemento, a Lei 5.868/72, que criou o Sistema Nacional de Cadastro Rural, reforça que nenhum imóvel rural poderá ser desmembrado ou dividido em área de tamanho inferior à do módulo calculado para o imóvel ou da fração mínima de parcelamento. Além disso, a mesma lei prevê a nulidade dos atos praticados em desconformidade com a regra, vedando o registro de tais atos sob pena de responsabilidade administrativa, civil e criminal de seus titulares ou prepostos.

A área da Fração Mínima de Parcelamento varia de município para município, entre 2 e 5 hectares, conforme a vocação de uso da região, com a finalidade de garantir que as novas glebas tenham tamanho suficiente para o desenvolvimento de atividade rural.

Nesse contexto, o proprietário que deseja dividir ou desmembrar sua área deve antes buscar na prefeitura municipal informações sobre a zona em que o terreno está inserido. Tratando-se de zona urbana ou de expansão urbana, poderá submeter seu pedido de parcelamento à municipalidade, atendendo às exigências da Lei 6.766/79 e demais leis municipais; se o terreno estiver localizado em zona rural, deverá obedecer aos limites do Estatuto da Terra, principalmente em relação ao tamanho mínimo da gleba resultante da divisão.

Se desrespeitados esses limites, o proprietário fica sujeito a multas e a penas restritivas de direitos e privativas de liberdade. Sem contar as indenizações que podem ser requeridas pelos adquirentes dos “lotes”, que são impedidos de individualizar e se tornar proprietários de suas áreas.

E os parcelamentos irregulares já realizados, podem ser regularizados? Em alguns casos, sim. A Lei 13.465/17 trouxe a possibilidade de regularização desses núcleos urbanos informais, se preenchidos algumas exigências: a situação da área deve se encaixar no conceito de núcleo urbano informal consolidado trazido pela lei; o núcleo urbano ter sido constituído antes de 22/12/16, dentre outros.

Fundamental ter cautela antes de realizar operações dessa natureza. A recomendação é fazer uma análise cuidadosa dos documentos da área, conhecer as leis aplicáveis e os riscos inerentes ao negócio.

Laurine Delfino Martins Lopes. advogada e membro da Comissão de Direito Imobiliário da OAB Londrina.