Vamos imaginar a seguinte situação: Afrodite é locatária de um imóvel cujo proprietário é Zeus. Ambos celebraram um contrato de locação por escrito e por prazo determinado. Enquanto ainda vigente, o contrato entre eles celebrado, Zeus vendeu o imóvel a Poseidon e Poseidon deseja dele ter posse imediata. O que a lei diz sobre essa situação? Afrodite terá que deixar o imóvel? A resposta é: depende.

De início é importante colocar que sempre que um imóvel locado for colocado à venda deve ser o mesmo oferecido primeiramente ao locatário por meio de notificação extrajudicial, já que por força do art. 27 da Lei nº 8.245/91 (Lei do Inquilinato), o locatário tem direito de preferência na aquisição do imóvel. Mas em nossa situação hipotética, Afrodite não exerceu seu direito de preferência, pois não desejava comprar o imóvel. Então continuemos.

O art. 8º da Lei do Inquilinato estipula que “se o imóvel for alienado durante a locação, o adquirente poderá denunciar o contrato, com o prazo de noventa dias para a desocupação, salvo se a locação for por tempo determinado e o contrato contiver cláusula de vigência em caso de alienação e estiver averbado junto à matrícula do imóvel”. Ainda, o §2º estipula que a denúncia do contrato deverá ser exercitada pelo novo proprietário no prazo de 90 dias contados do registro da venda na matrícula do imóvel.

Destas disposições legais podemos concluir que, em qualquer caso, seja o contrato de locação por prazo determinado, seja por prazo indeterminado, o novo proprietário (Poseidon) somente poderá notificar a locatária (Afrodite) para desocupar o imóvel após o registro da escritura de compra e venda na matrícula do imóvel, uma vez que a propriedade imóvel somente se transfere para fins legais por meio do registro imobiliário. Podemos concluir também que, em qualquer caso, o novo proprietário (Poseidon) deverá conceder à locatária (Afrodite) o prazo mínimo de 90 dias a contar do recebimento da notificação para desocupar o imóvel.

Mas no nosso caso, Afrodite era muito cuidadosa e antes de celebrar o contrato de locação com Zeus, consultou sua advogada de confiança, Themis, acerca dos termos do contrato. Themis sugeriu que fosse inserida no contrato uma Cláusula de Vigência e assim foi feito. No contrato entre Afrodite e Zeus, que era por prazo determinado, foi inserida uma cláusula na qual se estipulava que em caso de venda do imóvel enquanto vigente o contrato de locação, o adquirente deveria respeitá-lo em todos seus termos e até o seu final. Ainda, Afrodite e Themis cumpriram um outro requisito legal e levaram este contrato à averbação junto à matrícula do imóvel, para dar publicidade desta cláusula a terceiros.

Pronto! Neste caso, havendo cláusula de vigência no contrato de locação por prazo determinado e tendo sido este contrato levado à averbação junto à matrícula do imóvel, Afrodite está garantida e não pode ser obrigada a desocupar o imóvel senão ao final do contrato de locação. Poseidon terá de esperar! Oxalá tenha ele verificado adequadamente a matrícula do imóvel e solicitado a Zeus uma cópia do contrato de locação para análise. Do contrário, terá sido pego de surpresa e, apesar de ser o novo proprietário do imóvel, dele não poderá tomar posse tão cedo.

Manuela Balarotti, advogada e membro da Comissão de Direito Imobiliário e Urbanístico da OAB Londrina.