O Grupo Folha lançou nesta quinta-feira (26) a série de podcasts "Banco dos Réus", que conta as histórias de cinco crimes que abalaram Londrina. O primeiro episódio aborda o assassinato de Fernanda Estruzani, assassinada pelo ex-companheiro Marcos Panissa. Tão logo foi ao ar, houve repercussão no meio jurídico. A imagem de Panissa, que é considerado foragido, foi envelhecida por meio de inteligência artificial pelo artista digital Hidreley Leli Dião.

Imagem envelhecida digitalmente de Marcos Panissa
Imagem envelhecida digitalmente de Marcos Panissa | Foto: Hidreley Leli Dião

Talita Fidelis, professora de Direito de Processo Penal da PUCPR (Pontifícia Universidade Católica do Paraná) - Campus Londrina, destacou a qualidade da linguagem do "Banco dos Réus". “Gostei muito. A linguagem é muito clara. Às vezes, a gente não consegue passar para os alunos toda a história com a riqueza de detalhes como o podcast fez. Ele deixou claro de onde tiraram as informações para entender um crime que abalou a nossa sociedade e que tem essa ferida de que a pessoa condenada não foi presa”, avaliou.

Fidelis tinha apenas cinco anos quando o crime retratado no primeiro episódio ocorreu e chegou a estar presente no último Tribunal do Júri de Marcos Panissa, em 2008, como ouvinte. “Naquele ano eu já era advogada criminalista. Recordo-me do júri, da atuação da promotora Susana de Lacerda e do advogado de defesa. Recordo-me que a filha dela estava lá, e a condenação era um resultado esperado, já que em 2008 já tinha a Lei Maria da Penha e já tinha uma cultura de maior punição do âmbito da violência familiar e doméstica.”

LEIA TAMBÉM

+ FOLHA lança hoje 1º episódio da série `Banco dos Réus´

+ Folha produz série de podcasts sobre crimes que abalaram Londrina

Ela ressaltou que nos primeiros julgamentos de Panissa, o Código de Processo Penal era bem diferente e a mudança dele, em 2008, possibilitou a realização do terceiro júri sem a presença do réu. “Isso mostra como a lei processual evoluiu. Na época em que o crime aconteceu não havia nem lei de crimes hediondos. Hoje temos a lei do feminicídio, específica para esse tipo de violência.”

Enfatizou que a carta psicografada apresentada pela defesa do réu e relembrada pelo podcast foi polêmica e sempre é relembrada no ambiente acadêmico. “Os meus estudantes sempre perguntavam se a carta psicografada é legítima ou não em um julgamento. Houve uma tese de conclusão de curso sobre o tema. Mesmo que a carta fosse verdadeira, acho muito difícil que ela influenciasse a ponto de absolver o réu, mas estamos em uma sociedade diferente de 1990 e naquela época até poderia acontecer essa absolvição, mas hoje não.”

NOSTALGIA DAS RADIONOVELAS

O professor e coordenador do curso de Direito da UEL (Universidade Estadual de Londrina), Marcos Vale, comparou a série de poscasts às novelas antigas. “Me lembrou do tempo em que eu era pequeninho e ia à casa dos meus avós e eles ouviam radionovelas. As músicas ajudam a entrar no clima de suspense e tensão, e para essas pessoas mais antigas vai dar uma nostalgia e lembrar disso. É um misto de reportagem e uma espécie de áudio-livro. Facilita o entendimento para pessoas que não têm condições de ler no carro ou na rua. É importante lembrar do que se passou, e do que não se pode permitir que volte a acontecer no futuro. Vale para manter viva na memória a relevância não só da proteção das mulheres, mas de várias minorias", apontou.

Segundo ele, o trabalho de pesquisa e a síntese feita foi interessante. “Eu cheguei a ter acesso ao processo na época e eram vários volumes e fazer uma síntese disso é um trabalho primoroso. O podcast foi interessante e bem completo. Todo esse conjunto me fez voltar àquela época.” Ele ressaltou que acompanhou bastante esse processo pela imprensa, pelo trabalho da jornalista Nicéia Lopes, uma das entrevistadas pelo podcast. “Eu cheguei a ler no Fórum e vi as fotos no processo. Na época estava na faculdade, no último ano do curso e por esse motivo achei que o poder de síntese do podcast foi muito grande, pelo tamanho do processo, que tinha vários volumes. A riqueza de detalhes do trabalho jornalístico foi muito boa”, elogiou.

MEMÓRIA COLETIVA

A socióloga, doutora e professora universitária, Silvana Mariano, da UEL (Universidade Estadual de Londrina) e diretora do Néias- Observatório de Feminicídio de Londrina, classificou como relevante o trabalho de realizar um podcast como o "Banco dos Réus". “É necessário e fundamental, porque é importante que as injustiças que já produzimos no passado façam parte dessa memória coletiva que construímos. Elas constituem um tipo de violência que já produzimos e toleramos no passado, mesmo porque essa consciência contribui para revisarmos os próprios valores sociais.”

Ela reforçou que muito provavelmente determinada conduta e tolerância que a sociedade apresentou com os réus em décadas anteriores, talvez caracterize uma indignação da sociedade atual. “À medida que ficamos indignados e indignadas com essa forma de violência, a nossa percepção sobre ela muda. Quando estou falando nós, como sociedade, me refiro a um de nós que estará sentado lá no banco do Tribunal do Júri, que constitui o conselho de sentença, o chamado júri popular. São pessoas de nossa comunidade que julgam lá.”

ATAQUE LEVIANO

Para o secretário-geral da subseção de Londrina da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), José Carlos Mancini Junior, a série "Banco dos Réus" faz um "ataque leviano ao instituto de defesa, que faz parte da ciência jurídica, quando se fala em bizarrice". “O próprio ordenamento jurídico admite como possível a utilização da carta psicografada. O ato de defender-se é inerente a qualquer ser vivo, com todo respeito à doutora Susana (de Lacerda). Talvez eu discorde um pouco quando ela diz que o Panissa não foi preso porque é branco. Com isso, o Ministério Público reconhece a falência da assessoria jurídica, já que isso deve ser feito pelas defensoria jurídicas qualificadas”, argumentou.

“Muitos juízes chamam o Tribunal do Júri de tribunal das lágrimas e tenho certeza de que não há vencedor nesses casos, todos perderam, especialmente a vítima. Enquanto seres humanos, há um sentimento ruim de todo o sofrimento que essa moça passou e o número de facadas expõe uma agressividade, mas essas tensões estão nos tecidos sociais”, argumentou. Segundo ele, a reforma de fato que o Código de Processo Penal teve em 2008, além da possibilidade de julgamento sem a presença do réu, uma das alterações prevê a possibilidade de trazer o interrogatório do réu como último ato para a produção de provas.

O prefeito de Londrina, Marcelo Belinati, também elogiou o trabalho. "Parabéns para a Folha de Londrina e para o projeto Banco dos Réus. Eu achei fantástica e sensacional a ideia e pretendo ler as matérias no jornal, contando esses pontos da história de Londrina".

Receba nossas notícias direto no seu celular! Envie também suas fotos para a seção 'A cidade fala'. Adicione o WhatsApp da FOLHA por meio do número (43) 99869-0068 ou pelo link wa.me/message/6WMTNSJARGMLL1.