O luto, que se abate principalmente sobre o movimento negro e fiéis das religiões de matrizes africanas, se intensificou há menos de um mês, com a morte de Maria Benedita Meneses, a Yá Katule, considerada por muitos como a primeira mãe de santo candomblecista do município. A religiosa tinha, segundo familiares, 96 anos (dez a mais que os documentos apontavam), e, ao longo de sua trajetória espiritual, ajudou na criação de diversas mães e pais de santo do município.

Mãe Omin, filha espiritual de Katule há 33 anos, lamentou a perda da referência. "O céu de Londrina amanheceu triste com a partida da grande Yalorixá. O matriarcado de Londrina chora. Deixa o grande legado. Foi o equilíbrio e a referência para o Candomblé de Londrina e região. Com muita fé e união, temos um caminho a seguir deixado por ela".


Se, por um lado, Yá Mukumby era atuante politicamente, por outro, Yá Katule, restringia-se ao religioso e ao social, o que fazia com toda sua dedicação. Optando por não ter um terreiro próprio, ela era chamada para cumprir suas funções religiosas em espaços vizinhos. Também era reconhecida por sua benevolência com as pessoas. “Ela ajudava todo mundo e nunca quis ter barracão aberto. Ajudava nas obrigações, fazia comida para os santos, auxiliava os filhos... Sempre acolheu a todos. Era amiga, mãe e uma enciclopédia viva de conhecimentos sobre a religião”, relata Leonardo Vieira, seguidor de Katule.

Yá Katule
Yá Katule | Foto: Camila Rosa/Divulgação

Ela morou por 60 anos na Vila Recreio (área central) e dedicava-se ao sacerdócio desde o início dos anos 1960. O sepultamento da religiosa foi marcado por rituais característicos do Candomblé. Apesar do sentimento de perda, o legado e o orgulho pela história de Yá Katule foram ressaltados durante a cerimônia.

“Durante esses atos religiosos são entoadas rezas, cânticos, e realizadas oferendas e outros segredos litúrgicos, que têm como objetivo devolver o ará (corpo) ao aye (terra), bem como encaminhar o espírito para sua sacralização”, explica o pai de santo Bàbá Bilòjò, que esteve presente no enterro.

Bilòjò relembra que tanto Mukumby quanto Katule estiveram presentes em sua jornada, a primeira atuando na sua banca de análise de cotas raciais, quando estava prestes a iniciar no curso de Letras Vernáculas da UEL, e a segunda diretamente ligada à sua inserção no Candomblé.

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Para o pai de santo, o trabalho religioso que exerce consiste em dar continuidade ao que os ancestrais e mais velhos deixaram como legado cultural. “Os terreiros são espaços de aquilombamento, nos quais permanecem vivas as memórias, a luta e outros traços culturais como a culinária, as indumentárias, os segredos litúrgicos, os cânticos e rezas por meio da oralidade”, inicia.

“O verbo ‘resistir’ faz parte de nossa história de luta para sermos humanizados e não demonizados, como muitos o fazem. Ainda se faz necessário resistir para conseguirmos continuar nosso legado afrorreligioso nas comunidades, para que possamos existir perante a sociedade e sermos vistos como religião e seres dotados de direitos”, explana.

Por fim, Bilòjò compartilha uma frase, na língua nigeriana iorubá, que serve de acalento para os séquitos das religiosas e da crença candomblecista. “Se awo kiku, awo kirun, nse awo mawo si Itunlá, Itunlá Ile awo” [Os iniciados no mistério não morrem, os iniciados no mistério não desaparecem, os iniciados no mistério vão para o Itunlá, a casa do renascimento]. “Como não morrem, seus ensinamentos são eternos. Seu legado fica”, conclui.