O ministro Gilmar Mendes, do STF (Supremo Tribunal Federal), determinou que o Ministério da Justiça envie esclarecimentos sobre o uso da Lei de Segurança Nacional contra críticos do governo Jair Bolsonaro. A medida atende a dois Habeas Corpus protocolados no sentido de garantir a liberdade de expressão e de crítica ao Governo Federal, um deles endossado pelo advogado londrinense Rafael Colli. No despacho, Gilmar Mendes concedeu cinco dias para que o Ministério da Justiça envie as informações, tendo a Polícia Civil do Rio de Janeiro e a Polícia Militar do Distrito Federal e de Minas Gerais também como alvos dos pedidos de esclarecimentos.

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. | Foto: Nelson Jr./SCO/STF

O número de inquéritos que invocam a Lei de Segurança Nacional, promulgada durante a Ditadura Militar, cresceu 285% nos dois primeiros anos do atual governo em comparação com o mesmo período do mandato ocupado por Dilma Roussef (PT) e Michel Temer (MDB). É o que aponta um relatório apresentado pelo senador Cid Gomes (PDT) ao Senado. Além disso, 23 projetos estão em tramitação e buscam provocar mudanças na legislação.

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Em março, um grupo formado por nove advogados, sendo seis de São Paulo, um do Rio de Janeiro, uma de Minas Gerais e o londrinense Rafael Colli, propôs em um HC coletivo um pedido de proibição para a abertura de investigações contra cidadãos que utilizem o termo "genocida", em direção ao presidente. Em seguida, a Defensoria Pública da União agiu no mesmo sentido e também pediu ao STF a concessão de salvo conduto aos autores de manifestações públicas pacíficas ou opiniões políticas diversas no sentido de impedir o uso da Lei de Segurança Nacional nestes casos.

Neste intervalo, a AGU (Advocacia Geral da União) se manifestou a favor da constitucionalidade da Lei de Segurança Nacional e recomendou a anulação de todas as ações que questionam o seu uso. Atualmente, quatro ações estão contestando a matéria no STF. A discussão também é apontada como motivo da troca do então ministro da Justiça, André Mendonça, que retornou à AGU após uma reforma ministerial ordenada por Bolsonaro.

À FOLHA, o advogado Rafael Colli avaliou que o pedido de informações feito por Gilmar Mendes representa um "avanço" na busca pelo cancelamento dos inquéritos abertos com base na Lei de Segurança Nacional, o que evidenciaria, também, abusos cometidos por diversas autoridades. "Um dos efeitos desse HC vai ser escancarar o abuso de autoridade. Porque, se um processo não pode ser instaurado a ponto de ser reconhecido um HC coletivo para estas pessoas, quer dizer que ele agiu com abuso de autoridade. Por isso que ele [Gilmar Mendes] está demorando para julgar essa liminar", lembrou.

Dentre os casos recentes de maior repercussão envolvendo o uso da Lei de Segurança Nacional está um inquérito aberto contra o youtuber Felipe Neto após uma queixa-crime ter sido feita contra ele pelo vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos), filho do presidente da República. O motivo foi o uso de adjetivo "genocida" como meio de definir o papel do presidente no enfrentamento à pandemia da Covid-19. Outro episódio emblemático foi a prisão de quatro manifestantes em Brasília (DF) após terem transformado uma cruz vermelha em suástica, em alusão à atuação de Bolsonaro.

Para Colli, o segundo HC, este impetrado pela Defensoria Pública da União, traz ainda mais legitimidade para ação do grupo de advogados uma vez que ainda existem divergências na jurisprudência sobre quem tem a competência para ingressas com o habeas corpus coletivo. "Traz ainda mais legitimidade para a proposição de ações de controle concentrado, como ADPFs (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental), que têm objetivo de defender causas públicas", explicou.

O STF também já recorreu à Lei de Segurança Nacional quando o ministro Alexandre de Moraes determinou a prisão do deputado federal Daniel Silveira (PSL), autor de um vídeo em que conclama o fechamento do tribunal, entre outras agressões aos ministros.

Jornalistas como Ricardo Noblat e Hélio Schwartsman, o escritor Ruy Castro, e o advogado Marcelo Feller também já foram alvos de inquéritos abertos com base na Lei de Segurança Nacional após terem criticado o governo.