A situação dos estabelecimentos prisionais do Paraná é crítica, com superlotação, agressões físicas e psicológicas e constante desrespeito aos direitos básicos dos detentos, indicam ações na Justiça e um relatório feito em maio por um órgão ligado ao Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. Também há denúncias de ausência de banho de sol e de que comida estragada estaria sendo servida aos presos.

Ricardo Chicarelli/4-7-2012 

Em nota, o Deppen informou que os estabelecimentos prisionais seguem o que é estabelecido pela Lei de Execução Penal
Ricardo Chicarelli/4-7-2012 Em nota, o Deppen informou que os estabelecimentos prisionais seguem o que é estabelecido pela Lei de Execução Penal | Foto: Ricardo Chicarelli/4-7-2012

Em julho, dois advogados de Londrina denunciaram maus-tratos na Penitenciária Estadual de Piraquara (PEP I), na Região Metropolitana de Curitiba, e na Penitenciária Estadual de Foz do Iguaçu (PEF II), no Oeste.

Atualmente, os advogados Gabriel Braga Silva e Rafael Ferreira Dall'Amico têm quatro ações ajuizadas em defesa dos direitos de detentos. Três delas dizem respeito a maus-tratos e tortura e incluem fotos e cartas escritas pelos próprios presos. Outra é relativa à ausência de banho de sol diário de duas horas.

Braga Silva lembrou que cada processo representa apenas um detento, mas que as situações de maus-tratos atingem todos os presos. “Em um dos casos em que estamos atuando, jogaram gás de pimenta dentro da cela. Quem sofreu esse mal foi a cela inteira”, disse o advogado em relação ao caso que teria ocorrido na Penitenciária de Piraquara. “Demora para ter uma providência judicial, um caso como esse não tem laudo, tem só os relatos dos detentos.”

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Em outro caso, relatou Braga Silva, todos os detentos da unidade de Foz do Iguaçu foram punidos porque presos vindos de outra unidade não conheciam os procedimentos do local. “Na outra unidade eles tinham que ficar sentados durante a contagem. O guarda apitou e eles se sentaram. Começaram a ser xingados e evoluiu para a agressão”, disse o advogado. “Gerou consequências para toda a unidade, colocaram 30 só de cuecas em uma cela, mandaram ficarem o dia inteiro com as mãos para trás”. O terceiro caso diz respeito a um detento que foi transferido para várias unidades do estado, sem saber o motivo, e que também teria sido vítima de agressões físicas.

A dificuldade em relação às ações movidas devido à ausência de banho de sol, explicou Braga Silva, é que elas são arquivadas quando o preso é transferido ou libertado - o processo termina, mas o problema persiste. “O STF já determinou que o banho de sol é diário, de duas horas, mas ouso dizer que nenhuma unidade faz isso. Ou faz de segunda a sexta-feira, porque não tem efetivo para fazer todo dia. Entramos com uma ação em nome de um cliente, ele foi removido de Piraquara e o processo foi arquivado.”

Outras denúncias encaminhadas ao escritório dizem respeito ao fornecimento de comida estragada ou contaminada com cacos de vidro. “A aflição dos familiares é crescente, o que faz com que eles nos procurem para os processos de pedidos de providências”, disse o advogado. Ele lembrou que os direitos dos detentos são garantidos pela Lei de Execução Penal (Lei 7.210, de 1984).

RELATÓRIO

O primeiro relatório sobre a situação dos estabelecimentos prisionais do Paraná desde o início da pandemia de Covid-19, em 2020, foi feito em maio deste ano por peritas do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, vinculado ao Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. Os resultados foram apresentados em uma reunião da Comissão de Direitos Humanos e da Cidadania da Alep (Assembleia Legislativa do Paraná).

As vistorias foram feitas entre os dias 16 e 20 de maio, no Complexo Médico Penal, em Pinhais; na 1ª Delegacia Regional de São José dos Pinhais; no Centro de Triagem da Polícia Civil, em Curitiba; na Carceragem da Delegacia Cidadã de Paranaguá; na Penitenciária Feminina do Paraná, em Piraquara; na Casa de Custódia de Piraquara e no Centro de Socioeducação de Curitiba.

Segundo o relatório, assinado pelas peritas Ana Valeska Duarte, Bárbara Suelen Coloniense, Maria Cecília Duarte e Ronilda Vieira Lopes, problemas comuns foram verificados em todas as unidades: falta de assistência material, uso excessivo da força, ausência da regulamentação e de protocolo, ausência de acesso ao banho de sol ou em tempo inferior a duas horas por dia, número insuficiente de servidores e a maioria contratada via PSS (Processo de Seleção Simplificada), falta de capacitação para os servidores, falta de assistência jurídica e falta de fiscalização por parte do estado.

Uma das peritas chegou a classificar a Cadeia Pública de Paranaguá como “uma das piores cadeias públicas que eu já vi em toda a minha trajetória”. Já em relação ao Complexo Médico Penal, que abrigava 642 custodiados no momento da vistoria, as peritas apontaram problemas como banho frio, água não potável para consumo, falta de controle de ingestão de medicamentos, falta de profissionais da área de saúde, internos obrigados a cuidar de acamados e banhos de sol falhos. Elas citaram ainda o alto número de mortes na unidade, de 30 a 40 por ano.

Para o deputado estadual Goura Nataj (PDT), a Alep deveria discutir se o sistema penitenciário deve permanecer sob responsabilidade da Secretaria de Segurança Pública ou se deveria voltar para a Secretaria de Justiça (mudança feita em 2014). “Os dados são estarrecedores, são assombrosos. A gente está falando de mais de 32 mil pessoas encarceradas”, afirmou o deputado.

A representante do Conselho da Comunidade de Curitiba, Isabel Kugler Mendes, lembrou que a situação apresentada no relatório vem sendo denunciada por ela há 20 anos. “Eu não sou defensora de bandidos. Eles não perdem a cidadania porque eles estão lá dentro. Não falta dinheiro, falta vontade”, acusou.

“Para Paranaguá foi doado um terreno para construir uma nova delegacia, mas o estado não fez. Faltam funcionários, estamos há 20 anos sem concurso”, afirmou Kugler, que atuou durante 12 anos na Comissão de Estabelecimentos Prisionais da OAB-PR (Ordem dos Advogados do Brasil no Paraná).

A OAB-PR informou que o trabalho foi assumido pela Comissão de Defesa dos Direitos Humanos. O grupo monitora denúncias e atua junto ao Grupo de Monitoramento do Tribunal de Justiça do Paraná e ao Coped (Conselho Permanente dos Direitos Humanos do Paraná).

“Sabemos que a situação da política penitenciária do estado do Paraná precisa ser aperfeiçoada, e a participação da advocacia é importante para essa transformação. Nesta gestão, a OAB-PR passou a ter um grupo específico, formado por advogados especialistas de diferentes áreas, para avaliar as condições prisionais no Paraná”, informou a comissão.

SUPERLOTAÇÃO

Em junho, o Nupep (Núcleo da Política Criminal e da Execução Penal) da DPE-PR (Defensoria Pública do Estado do Paraná) ajuizou uma Reclamação Constitucional Coletiva junto ao STF (Supremo Tribunal Federal) para requerer o fim das violações aos direitos humanos causadas pela superlotação nas unidades penais de regime semiaberto em Londrina e Assaí.

De acordo com o Nupep, no fim de junho o Creslon (Centro de Reintegração Social de Londrina) estava com taxa de ocupação de 200% (500 presos para 248 vagas), e no Centro de Reintegração Social de Assaí a taxa era de 444% (160 detentos em um lugar destinado a 36).

Para a coordenadora do Nupep, a defensora pública Andreza Lima de Menezes, a situação é de uma “tragédia humana” em espaços sem ventilação e colchões para todos os presos. Na unidade de Assaí também havia relatos de falta de água.

DEPPEN

Em nota, o Deppen (Departamento de Polícia Penal do Paraná), órgão vinculado à Sesp (Secretaria de Estado da Segurança Pública), informou que os estabelecimentos prisionais seguem o que é estabelecido pela Lei de Execução Penal.

“O Departamento de Polícia Penal do Paraná (Deppen) informa que o tratamento fornecido aos custodiados do sistema prisional seguem os estabelecidos pela Lei de Execução Penal (LEP). Sendo assim, está garantido a todos o direito à assistência nas áreas sociais, educacionais, saúde, jurídica, religiosa e outras”, diz a nota.

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