Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias, do Depen (Departamento Penitenciário), mostra que Londrina chegou ao final do segundo semestre do ano passado com quase 40% de sua população carcerária inserida em alguma atividade laboral. O resultado é um dos mais altos do Estado quando consideradas apenas as unidades geridas pelo governo estadual.

"Me sinto na condição de que, se hoje eu estivesse ali fora, eu iria manter o mesmo ritmo, trabalhando normalmente", conta Henrique Neves
"Me sinto na condição de que, se hoje eu estivesse ali fora, eu iria manter o mesmo ritmo, trabalhando normalmente", conta Henrique Neves | Foto: Gustavo Carneiro

Com base neste recorte, o município só perdeu para Curitiba, que conseguiu empregar 53,5% de sua população carcerária no período, resultado que é alavancado pelas atividades viabilizadas na Cadeia Pública e na Casa de Custódia da capital. Uma pesquisa no sistema do Depen também revela que o Estado já alcançou índices ainda melhores na busca pela ressocialização de presos. Em 2017, 36,8% dos 20,5 mil custodiados do Estado trabalhavam dentro e fora das unidades prisionais. Atualmente, a realidade é outra.

A população carcerária paranaense aumentou para 31,6 mil pessoas, sendo que 23,3%, (7,3 mil), estão envolvidas em atividades produtivas. O resultado deixa o Paraná atrás apenas de São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul na “corrida” pela reinserção social por meio do trabalho.

Para o chefe do Setor de Produção e Desenvolvimento do Depen-PR, Boanerges Silvestre Boeno Filho, as restrições impostas pela pandemia da Covid-19 acabaram colaborando para uma retração de 5,4% neste índice, entre julho de 2020 e julho deste ano. Na prática, foram 421 presos a menos em atividades laborais.

“Tínhamos metalúrgica que pegava de 80 a 100 presos para trabalhar, mas medidas foram tomadas pelas empresas, que tiveram que optar pela economia, principalmente, com a redução do quantitativo, ou encerrar as atividades”, completa Boanerges.

Henrique Aranha Neves, 27, não foi afetado. Sentenciado a cumprir uma pena que se estenderá até 2026 no regime semiaberto em Londrina, Neves trabalha como montador e soldador em uma indústria de refrigeração na avenida Brasília, na saída para Ibiporã. “Emocionalmente, eu me sinto muito bem porque hoje consigo ajudar a minha família com o esforço do meu trabalho. Eu fico tranquilo porque os meus filhos estão todos na escola, minha esposa consegue fazer as coisas", alegra-se.

Embora os resultados do Paraná sejam considerados positivos, pesquisa realizada pelo Ipardes (Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social) sugere que o Estado - e o país - também precisará colocar em pauta temas como a ocupação da população idosa que cumpre pena.

De acordo com a nota técnica nº 26 do Ipardes - Perfil Geral do Presidiário do Estado do Paraná, que foi publicada em junho deste ano, o Estado tinha 0,39% de sua População Economicamente Ativa "encarcerada" em 2019. Já os idosos representavam menos de 2%. “Revela-se a importância de uma atenção maior às políticas públicas de inclusão social focadas no emprego e na educação”, conclui a servidora Danielle Cristini Martins, autora do estudo.

O "alerta" encontra respaldo na tendência mundial de envelhecimento populacional, que também deve provocar reflexos no perfil dos presos. Conforme o documento, a parcela de idosos no Paraná, que era de 7,5% em 2010, deverá atingir 20% da população do Estado em 2040.

OPORTUNIDADES DE NEGÓCIOS

À FOLHA, o diretor do Depen/PR, Francisco Caricati, afirma que a solução vem sendo a atração do investimento do setor privado para dentro das unidades. Para isso, o Depen vem tentando demonstrar aos empresários que podem existir "boas oportunidades de negócios" dentro das prisões, aliado à aprendizagem profissional.

"Vemos como uma oportunidade de investimento já que possibilita que o empresário pague um salário mínimo, não tenha encargos sociais, em muitos casos, não gaste com terrenos porque investe dentro de uma penitenciária e acaba possibilitando até a customização da sua empresa", diz.

Isso ocorre porque a legislação que incide sobre o trabalho dos presos é a Lei de Execuções Penais e não a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho). Desta forma, 75% do salário-mínimo pago pelas empresas é destinado ao preso e 25% vai para o Fundo Penitenciário. Os recursos do Fundo são utilizados, também, para o pagamento de presos que trabalham para o próprio sistema carcerário, em atividades como faxina, fábricas de costuras, entre outros ramos.

Já os custodiados podem destinar até 80% da sua parcela do salário-mínimo para seus familiares. Os outros 20% ficam em uma conta no Banco do Brasil e poderão ser sacados somente quando o preso estiver em liberdade.

Embora possua apenas duas penitenciárias industriais, o Paraná conta hoje com 285 canteiros próprios do Depen/PR em unidades penais e 176 nas cadeias públicas. O Departamento também informa que existem outros 94 canteiros cooperados em unidades penais e 50 em cadeias públicas.

Questionado, o diretor disse que a meta é chega a 70% dos presos trabalhando, porém não disse quando. "Porque entendemos que é a nossa forma de possibilitar a reinserção social com vistas a não possibilitar a reincidência dele no crime", avalia, após mencionar que convênios com secretarias municipais de obras e educação possibilitam a atuação dos custodiados, como na manutenção de escolas. A atuação nos Centros de Abastecimento, com a separação de alimentos, também se mostra viável.

Em Londrina, ao menos 60 custodiados da PEL (Penitenciária Estadual de Londrina) 2 atuaram na construção do novo Fórum e 11 presos trabalham na construção da nova Cadeia Pública. A recente chegada de uma malharia de Cambé à PEL 2 possibilitou a criação de outros 50 postos de trabalho. Já durante a pandemia, houve a utilização de mão de obra na confecção de máscaras e roupas hospitalares.

Conforme a diretoria da unidade, 697 internos estão trabalhando e 817 conciliam o trabalho com os estudos em alguma etapa escolar. Ao todo, 1,3 mil pessoas cumprem pena na PEL 2.

'SEDE DE VENCER"

"Me sinto na condição de que, se hoje eu estivesse ali fora, eu iria manter o mesmo ritmo, trabalhando normalmente. E, se possível, quero fazer uma faculdade, estudar à noite”, conta Henrique Neves. A busca pelo seu segundo objetivo começou com a inscrição no vestibular voltado para a população carcerária, promovido pela UEL (Universidade Estadual de Londrina) desde 2013. O primeiro objetivo, conta, é provar sua inocência, uma vez que teria sido reconhecido pelo familiar de uma vítima apenas por meio de uma foto, afirma.

Neves foi um dos 21 presos de Londrina aprovados na edição deste ano do vestibular da UEL, mas teve que abrir mão da vaga para se dedicar ao trabalho. Antes de ter sido aprovado, em Direito, já havia conquistado vagas em Pedagogia e Letras, o que foi possível, também, graças a uma política de remição de pena pela leitura instituída no Estado.

No caso dele, foram 80 livros resumidos e chancelados pela equipe de pedagogos da PEL 2. “Quando ficamos algum tempo presos, você sai com muita sede de vencer. É como se fosse uma injeção de ânimo. Você fala: ‘eu vou, eu posso, eu quero, eu consigo’. É o que está me motivando, minha família”, emociona-se.

'NÃO DEIXAMOS DE SER A SOCIEDADE"

Bruno Henrique dos Santos, 24, também participa das atividades promovidas pela Unidade de Progressão, onde os custodiados obrigatoriamente precisam estar trabalhando ou estudando para serem integrados nos ciclos de Justiça Restaurativa.

“Tem dois tipos de pessoas aqui dentro: as que vão usar o que passam aqui de uma forma boa, para não passar mais, e as que vão sentir ódio, como se alguém tivesse que pagar por aquilo. Eu decidi transformar numa coisa boa. Foram cinco anos fechado que eu não perdi só tempo ou dinheiro. Perdi o meu pai, que não pude estar perto no final da vida dele, a família se distanciou, perdemos muitas coisas que não voltam. Foi essencial a integração dessa unidade”, conta.

Para ele, a ressocialização dos presos também depende de um processo de reeducação de quem está do lado de fora. “Entra a questão do preconceito. Eu estou no processo de reintegração, mas bato em uma porta e ninguém abre. A reeducação deveria ser dos dois lados. Aqui é uma mão de obra muito boa", avalia.

Embora ainda esteja cumprindo sua pena no regime fechado, Santos conquistou o direito de trabalhar e dormir em casa, após análise de quesitos básicos, como o bom comportamento, feita pelos juízes Katsujo Nakadomari e Eduardo Diniz, da VEP (Vara de Execuções Penais) de Londrina. Atualmente, trabalha como auxiliar administrativo da equipe de segurança do trabalho de uma construtora e lembra que sua contratação só foi possível graças ao encaminhamento feito pela Unidade de Progressão. Mesmo assim, não deixa de acreditar que existe um futuro profissional para ele e outros futuros ex-detentos.

“Como existe o preconceito, também existe quem não tem, quem acredita na mudança. É o que essa unidade e essas empresas que aceitam fazem, que é uma coisa difícil de uma empresa aceitar também. Lá onde eu trabalho, tem 45 detentos. Poxa, vou aceitar 45 detentos que eu nem sei o que eles fizeram na minha empresa? O que eles estão fazendo é acreditar na integração na sociedade. Nunca deixamos de ser a sociedade”, lembra.

Santos disse que o seu maior sonho é viajar para outros países. “Tem bastante, mas acho que os Estados Unidos, por ter ouvido muitas histórias”, conta.

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