O desfecho da história protagonizada pelo ex-piloto comercial que morou no centro de Londrina, Roberto Wagner Fernandes, ainda está sendo compreendido em detalhes pelos moradores de um edifício da rua Piauí. Desde que veio à tona, um enredo digno de uma superprodução cinematográfica vem deixando perplexos principalmente os moradores mais antigos, que conviveram com ele e com a ex-esposa, Danyelle Amaral Bouças Fernandes, até 1996. “Surpreende porque eu não esperava isso dele”, disse atônito um destes ex-vizinhos, Laércio Lima Pradal.

Roberto Fernandes foi apontado nesta semana como um assassino em série pela polícia dos Estados Unidos
Roberto Fernandes foi apontado nesta semana como um assassino em série pela polícia dos Estados Unidos | Foto: Broward Country Sheriff's Office

Fernandes foi apontado nesta semana como um assassino em série pela polícia dos Estados Unidos. A divulgação do desfecho foi feita nesta segunda-feira (30), exatos 20 anos após o terceiro assassinato atribuído ao brasileiro nos Estados Unidos.

Muito além das comparações inevitáveis, a trama da vida real que conecta o Norte do Paraná com três assassinatos cometidos entre 2000 e 2001 no estado da Flórida (EUA), comprova, também, que a “justiça não tem prazo de validade”. Ao resumir um dos mais universais sentimentos, o delegado do Condado de Broward, Gregori Toni, encerrou uma investigação que se estendeu pelas últimas duas décadas.

As vítimas, três prostitutas, tinham entre 21 e 35 anos e foram espancadas pelo brasileiro. Kimberly Dietz-Livesey foi encontrada em uma mala, em Cooper City, na Flórida, enquanto o corpo de Sai Demas foi achado em uma mochila. A terceira vítima, Jessica Good, foi esfaqueada. O corpo dela foi encontrado na Baía de Biscayne em 30 de agosto de 2001.

Roberto Wagner Fernandes foi “colocado” novamente na cena do crime. Nos três casos, as amostras colhidas com as vítimas foram compatíveis com o DNA do ex-piloto, morto em 2005 após um acidente de avião na fronteira do Paraguai com a Argentina. Após pedido da polícia norte-americana, Fernandes teve o corpo exumado no ano passado, quase duas décadas depois de ter cometido o último dos três homicídios. Para o delegado Gregory Tony, Fernandes também pode ter assassinado outras pessoas no período em que morou nos Estados Unidos.

Imagem ilustrativa da imagem Desfecho de homicídios liga Londrina a “serial killer” dos EUA
| Foto: Isaac Fontana/FramePhoto/Folhapress

Rua Piauí

Porteiro do prédio há pelo menos seis anos, Claudio Gazu contou à reportagem que já sabia do primeiro assassinato cometido por Fernandes antes da visita de um agente de segurança ao endereço, há alguns meses. Ele não soube precisar ser o agente era policial federal ou civil. Entretanto, percebeu que a presença do policial tinha ligação com os fatos da madrugada do dia 18 de novembro de 1996, já que o morador procurado foi o atual proprietário do apartamento onde a ex-professora perdeu a vida pelas mãos do marido.

"Era tranquila, cuidava da filha, tinha um problema de rim, se cuidava bastante. Era nova, não devia ter mais de 30 anos. Sempre simpática com todo mundo, moradores, porteiro", definiu Pradal sobre Danyelle Amaral Bouças Fernandes. Fernandes também foi definido como um homem educado e tranquilo. "Acima de qualquer suspeita", definiu.

Naquela noite, o desentendimento foi desencadeado após o casal ter recebido uma ligação. Ao telefone, uma então prostituta desejava saber se o cheque que correspondia ao pagamento pelo encontro em um motel possuía fundos. Após entrarem em luta corporal, a arma encontrada no apartamento, uma pistola Taurus calibre 380, teria disparado acidentalmente. A exposa foi baleada duas vezes, chegou a ser atendida, mas morreu no imóvel. Fernandes deixou o apartamento às pressas e levando a filha do casal, de cinco anos.

Entretanto, o depoimento dela à polícia dias após o crime mudaria a imagem de homem calmo e respeitoso, uma vez que Fernandes havia consumido uísque e cocaína e, após um descontrole, agredido a mulher com uma garrafada, além de tentar afogá-la na banheira do motel.

"Legítima defesa"

“Ficou a versão dele, não tem como contar a dela”, avaliou o ex-vizinho sobre o crime da noite de 18 de novembro.

Perante o Tribunal do Júri, Fernandes conseguiu emplacar a tese de legítima defesa e foi inocentado do crime. Questionado pela reportagem, Pradal avaliou que se o homicídio de rua Piauí tivesse ocorrido nos dias de hoje, dificilmente o réu teria sido inocentado. "Seria condenado. Hoje o conceito é outro, é feminicídio e acabou. A pressão popular é outra. Hoje ele seria condenado, não quanto tempo. A própria investigação iria mostrar que não tinha lógica essa tese de legítima defesa. Esse julgamento dele foi rápido, mas não deu três anos ele foi embora para o Estados Unidos."

Para a docente da UEL (Universidade Estadual de Londrina) e integrante do coletivo Néias Observatório de Feminicídios de Londrina, Silvana Mariano, o caso da rua Piauí foi um "clássico" do que é considerado como feminicídio na atual legislação. "O ódio ao gênero feminino."

Questionada sobre o pouco efeito que o depoimento da prostituta teve sobre o resultado do julgamento, Mariano lembrou que até os dias de hoje "muitas vezes, profissionais do sexo nem são consideradas como gente na nossa sociedade", lamentou.

Para ela, o caso revela como o ódio "não se manifesta contra uma mulher em específico. É contra o gênero feminino. Como ele procurava vítimas invisíveis, nunca saberemos o número real de suas vítimas", lamentou.

Para solicitar mais informações sobre o julgamento, a FOLHA tentou contato com o escritório de advocacia então responsável pela defesa de Fernandes no caso, mas não obteve sucesso.

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