Combater as desigualdades na educação, recuperar os atrasos provocados pela pandemia ao otimizar o diálogo e pactuação entre estados, municípios e União para melhorar a qualidade do ensino. Esses são apenas alguns aspectos do Sistema Nacional de Educação, projeto de lei aprovado por unanimidade pelo Senado no início de março e já encaminhado para análise da Câmara dos Deputados.

Imagem ilustrativa da imagem Combate à desigualdade é foco do SNE
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De autoria do senador Flávio Arns (Podemos/PR) e sob relatoria do senador Dário Berger (PSB/SC), o Projeto de Lei Complementar (PLP) 235/2019 do Sistema Nacional de Educação pretende alinhar e harmonizar políticas, programas e ações da União, do Distrito Federal, de estados e de municípios, em articulação colaborativa dos entes da Federação na área educacional e com objetivos bastante ambiciosos: universalizar o acesso à educação básica dentro de um padrão de qualidade garantido, erradicar o analfabetismo, garantir equalização de oportunidades educacionais, articular os níveis, etapas e modalidades de ensino, cumprir os planos de educação em todos os níveis da Federação e valorizar os profissionais da educação, entre outras ações.

Um panorama muito esperançoso para o país, um caminho longo e cheio de desafios, mas que desenha um futuro muito promissor para a educação brasileira.

“Nossa percepção é que se caso tivéssemos o Sistema Nacional rodando 
não teríamos tido esse estrago provocado pela pandemia”, diz Hoogerbrugge
“Nossa percepção é que se caso tivéssemos o Sistema Nacional rodando não teríamos tido esse estrago provocado pela pandemia”, diz Hoogerbrugge | Foto: Divulgação/Movimento Todos pela Educação

Foram dois anos de debate até chegar ao texto aprovado pelo Senado, mas a ideia de um Sistema Nacional de Educação já vinha sendo discutida muitas décadas mesmo antes da Constituição Federal de 1988, quando Anísio Teixeira, personagem central na história da educação no Brasil, já chamava a atenção para o tema.

Em 2014, a Lei º 13.005, que instituiu o PNE (Plano Nacional de Educação) já estabelecia a criação do SNE até junho de 2016. Portanto, estamos atrasados.

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Para o senador Flávio Arns, a aprovação do SNE é “urgente e muito necessária”. “Desde o início do mandato atual, em 2019, temos colocado a educação como nossa prioridade absoluta. Foi assim na relatoria do Novo Fundeb [Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica], e a missão não estaria completa sem o SNE”, afirma.

“Esperamos que o SNE traga ganhos exponenciais para questões em que, infelizmente, não avançamos até hoje. Falo dos desafios na área de alfabetização, defasagens curriculares, evasão e abandono escolar, formação docente, parâmetros mínimos de qualidade, repartição de matrículas, calendário, transporte escolar, material didático, entre outras questões que possibilitam fortalecer a regionalização no estado e otimizar recursos e ações”, completa.

O senador explica que o SNE se apresenta como um sistema de governança que permitirá a cooperação entre os entes federados. “A ausência desse marco regulatório tem gerado deficiências na gestão da educação nacional e prejudicado a articulação e pactuação de ações entre União, estados e municípios. Desta forma, a normatização possibilitará que os entes deixem de agir isoladamente e pactuem políticas educacionais, mecanismos de gestão técnica e financeira, compartilhem experiências e boas práticas para a consolidação de um projeto de educação de qualidade para o país”, diz.

Modelos similares estão em prática em países como a Alemanha, Estados Unidos, México, Canadá e Austrália, que já possuem diretrizes nacionais em relação a temáticas estratégicas para a área educacional. Depois da aprovação, o maior desafio, continua Arns, será dar concretude às diretrizes. “A luta não termina na aprovação.”

Também há dimensões de tempo e de condições estabelecidas na própria lei. O SNE terá vigência imediata, mas há dispositivos que demandarão um pouco mais de tempo. A complementação da União para os entes federados que não alcançarem o valor do CAQ (Custo Aluno Qualidade) nacional, por exemplo, está prevista para 2027, após o término da implementação dos percentuais previstos na recente Lei do Fundeb. A proposta do SNE aprovada no Senado possibilitará aos entes federados a pactuação de metas e a superação de desafios como projeto de nação”, explica.

Professores e outros profissionais da educação são peças fundamentais para o bom funcionamento do SNE. O projeto prevê o estabelecimento do Fórum de Valorização dos Profissionais da Educação, para acompanhar a atualização progressiva do valor do piso salarial nacional para os profissionais do magistério público e os planos de carreira e evolução da remuneração, por meio de fontes oficiais de pesquisa e informação. Outro aspecto do SNE é tutela da diversidade e salvaguarda de povos originários e quilombolas.

“Mesmo com a aprovação do SNE, evidentemente permanecemos com uma dívida histórica com essas populações. O texto do Senado avançou bastante ao considerar necessidades específicas; a instituição dos territórios etnoeducacionais, por exemplo, representa que, a despeito dos embates na arena política, o Senado Federal não está refém de pautas que possam eventualmente representar retrocesso”, pontua Arns. Para ele, o cenário é positivo para a implementação do SNE. “É preciso ‘esperançar o SNE’, lembrando, as palavras do próprio Paulo Freire. Que saibamos esperançar o Sistema Nacional de Educação”, completa.

EQUIDADE NAS ESCOLAS

O Todos pela Educação é uma organização da sociedade civil, sem fins lucrativos, não governamental e sem ligação com partidos políticos e que acompanhou muito de perto todo o projeto do SNE (Sistema Nacional de Educação). Em posicionamentos públicos, notas técnicas e artigos, indica que o SNE em construção é uma poderosa política de governança, com diretrizes, responsabilidades, atribuições e instâncias de pactuação para que o direito à Educação seja de fato garantido.

A organização participou ativamente dos debates no Congresso, tanto nas audiências públicas como em outros fóruns. Para Lucas Hoogerbrugge, líder de Relações Governamentais do Todos Pela Educação, a sensação é de “satisfação” com o texto aprovado pelo Senado.

“Nossa percepção é que se caso tivéssemos o Sistema Nacional rodando não teríamos tido esse estrago provocado pela pandemia. O que percebemos é que uma parte importante dos desafios que tivemos durante esse período tinha muito a ver com a coordenação federativa. Na prática eram 5.570 municípios, de 26 estados mais o Distrito Federal, cada um tentando resolver a seu modo e com condições diferentes os desafios impostos pela crise sanitária. Temos municípios com recursos técnicos e financeiros altos e outros muito aquém”, comenta.

Na opinião de Hoogerbrugge, o Ministério da Educação não foi capaz de dar uma resposta à altura da exigência do período. “Se tivéssemos o Sistema teríamos uma resposta mais robusta do Ministério da Educação, com um suporte maior aos estados e municípios. Talvez não estaríamos colhendo resultados tão desanimadores para a Educação”, diz.

A aprovação do texto traz alento ao Todos pela Educação, é quase como se o olhar se voltasse para questões realmente importantes, deixando de lado, na avaliação de Hoogerbrugge, uma agenda ideológica e reacionária que vinha dominando os debates nos últimos três anos. “Deveríamos estar falando de redução de desigualdade, coordenação federativa, de ações de fortalecimento dos professores. O SNE, felizmente, vem sendo discutido há muito tempo com uma mobilização forte nos últimos anos, com intensas discussões nas Conferências Nacionais de Educação e o próprio Ministério chegou a formular uma proposta de SNE. Alguns projetos de lei foram surgindo e hoje chegamos em um acúmulo de discussão do qual era muito difícil de segurar”, comenta.

Mesmo com uma resistência inicial dos Ministérios da Educação e da Economia para a aprovação do PL no Senado, a aprovação veio. “Felizmente o que prevaleceu foi o movimento do Congresso que colocou o governo na obrigação de contribuir com a matéria e chegar a um consenso”, conta.

O líder de Relações Governamentais do Todos Pela Educação está otimista em relação à aprovação na Câmara dos Deputados. “A indicação do relator é que deve se manter acordo. O mais desafiador é achar espaço na pauta, diante das tantas dificuldades e urgências do país. Estamos otimistas e esperançosos. Pode ser uma das matérias mais importantes a ser votadas desde a aprovação do novo Fundeb, em 2020”, afirma Hoogerbrugge.

Os mecanismos instituídos pelo SNE têm como princípio o diálogo e a pactuação entre as esferas de governo. Na prática, as instâncias intergestoras e os mecanismos de pactuação que o Sistema cria serão as ferramentas que permitirão induzir um diálogo mais consistente entre governo federal, estados e municípios.

As prioridades do país para a Educação seriam organizadas em camadas, diferentes níveis e sistemas de ensino, prestando assistência técnica e financeira aos demais entes.

Também há competências específicas para estados e municípios. Serão criadas a Cite (Comissão Intergestores Tripartite da Educação), instância de âmbito nacional, responsável pela negociação e pactuação entre gestores da educação dos três níveis de governo; e as Cibe (Comissões Intergestores Bipartites da Educação), instâncias de âmbito subnacional, responsáveis pela negociação e pactuação entre gestores da educação de estados e municípios.

A Cite e as Cibes serão os fóruns responsáveis por definir parâmetros, diretrizes educacionais e aspectos operacionais, administrativos e financeiros do regime de colaboração, com vistas à gestão coordenada da política educacional. Também está previsto o chamado CAQ (Custo Aluno Qualidade) - valor mínimo que o poder público precisa investir por aluno com vistas a uma educação de qualidade.

“A esperança que temos com o SNE é que o governo federal consiga fazer esse trabalho com os estados e os estados com os municípios, criando uma cadeia de decisões compartilhadas e cooperativas entre as três esferas de governo”, afirma Hoogerbrugge.

“A aprendizagem acontece na interação dentro da sala de aula, na relação dialógica entre professor e estudante. O professor não faz, nem consegue e nem deve fazer o trabalho sozinho. Temos que ter estudantes em condição de aprender, professores em condição de ensinar, uma escola atrativa e uma rede de ensino preparada para apoiar seus professores e estudantes”, analisa.

A diversidade das realidades brasileiras representa uma força, mas a desigualdade entre elas, é a nossa maior fraqueza na implementação do SNE, de acordo com Hoogerbrugge. “É muito difícil desenhar uma política educacional nacional que funcione em todo o país. Isso é verdade em termos de programa, de financiamento, gestão e planejamento. O maior desafio é criar uma estrutura de diálogo e gestão que consiga dar eficiência para o sistema de ensino para gastarmos bem os recursos e, ao mesmo tempo, pensar as demandas a partir das necessidades locais”, comenta.

COMPARTILHAMENTO DE EXPERIÊNCIAS

Para secretário da Educação e Esporte do Paraná, Renato Feder, o estado poderia contribuir com o SNE (Sistema Nacional de Educação) compartilhando experiências positivas, como programas de formação e desenvolvimento profissional.

“A formação de professores é um dos pilares da Seed (Secretaria de Estado da Educação e do Esporte). Temos uma série de programas para formar e desenvolver nossos professores”, diz. Ele também destaca a remuneração, com uma jornada de valorização dos profissionais com a retomada do Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE), que mescla formação de professores com desenvolvimento profissional.

“Também demos um dos maiores aumentos do Brasil para professores em início da carreira. Por fim, criamos uma gratificação para os nossos profissionais no valor de R$ 800 por mês”, diz. Para o secretário, o SNE também viria para melhorar ainda mais a sintonia entre o estado e os municípios.

Para a secretaria municipal da Educação, Maria Tereza Paschoal de Moraes, unificar o atendimento às crianças é uma das questões mais importantes do SNE. “Já democratizamos o acesso à educação básica para crianças a partir dos 4 anos. Mas ainda temos muitas redes municipais que ainda não conseguem oferecer isso. O SNE é um avanço para todas as crianças. Numa construção conjunta com os conselhos municipais de educação, rede estadual e privada. É um avanço e agora precisa ser regulamentado para partirmos para outras ações”, comenta.

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