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Cartórios registram recorde de retificações de nome e gênero no Brasil

Visando orientar os interessados, a Arpen editou a Cartilha Nacional sobre Mudança de Nome e Gênero em Cartório

ATUALIZAÇÃO
03 de agosto de 2022

Bruno Lucca – Folhapress
AUTOR

São Paulo - Kim Helena, 22, mora no Jardim São Luís, zona sul de São Paulo. Em janeiro deste ano, a assistente de produção, uma mulher trans, retificou seu nome e sexo em cartório, um desejo antigo. 

O número deste ano supera em 44% o registrado entre janeiro e junho do ano passado
 

 A jovem faz parte dos 1.124 brasileiros em todo o país que, segundo levantamento da Arpen (Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais), retificaram seus nomes e, em simultâneo, o gênero em cartório de registro civil nos primeiros seis meses deste ano.  

Desde a decisão do STF (Supremo Tribunal Federal), em 2018, que reconheceu o direito de transexuais adequarem sua identidade de gênero e nome sem necessidade da cirurgia de redesignação sexual, nunca foram feitas tantas solicitações em um só semestre.  

O número deste ano supera em 44% o registrado entre janeiro e junho do ano passado (782). Também supera o do primeiro semestre de 2020 (636) e o do mesmo período em 2019 (937). 

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"Chega um momento em que é difícil aguentar as pequenas violências diárias. Em diversas situações, apresentar seu documento com um nome masculino é motivo de muito estresse. Por mais que você tenha um nome social, não é todo lugar que coloca isso como prioridade", diz Helena.  

Kim Helena buscou informações antes de concretizar as suas retificações. A jovem utilizou o portal Poupatrans, um coletivo formado por mulheres transexuais que disponibiliza um passo a passo de como realizar adequações de nome e gênero, além de ser atendida no Centro de Cidadania LGBTI da zona sul, localizado em Santo Amaro.  

"Lá eu fui muito bem atendida. Ofereceram apoio jurídico, e a advogada me explicou sobre toda a documentação que eu precisaria. Muita coisa. Percebi então que, por conta dessa documentação previamente necessária, o processo ficaria caro", afirma Helena.  

Segundo a Arpen, o procedimento de retificação custa, em média, R$ 166. Sobre a documentação prévia, a associação orienta que os valores sejam consultados regionalmente.  

Ainda no Centro de Cidadania, Kim foi informada sobre a existência de uma fila social para retificações, a qual disponibiliza que interessados realizem o processo sem custos. A posição na fila é definida após avaliação socioeconômica. A jovem resolveu deixar seu nome e aguardar.  

No último mês de junho, próximo ao Dia do Orgulho LGBTQIA+, Kim Helena conseguiu realizar as retificações. "Foi um momento de muito alívio", diz. O passo seguinte foi a emissão do novo RG (Registro Geral), realizada na última quarta (27).  

A quantidade de solicitações poderia ser ainda maior, mas nem todas as pessoas se sentem confortáveis para realizar as mudanças.  

É o caso de Lui Capeloti, 22, que mora na Vila Liviero, zona sul da capital paulista. Estudante, Lui é uma pessoa trans não binária e optou apenas pela inclusão do nome social em seus documentos, deixando as retificações de nome e gênero para outro momento. No estado de São Paulo, ao solicitar a alteração de gênero, ou sexo, de registro, deve-se optar entre masculino e feminino, o que desmotivou Lui.  

"Não me senti confortável para retificar o gênero para feminino, mas é uma concepção que posso mudar futuramente. Estou no começo da minha transição e indo devagar com as coisas. Quem sabe as regras não mudam em São Paulo? Não vejo muito sentido para continuar assim", diz Capeloti. 

 A não binaridade se refere a pessoas cuja identidade de gênero não se restringe à lógica binária, ou seja, à noção de que somente existiriam homens e mulheres. Pessoas não binárias podem vivenciar identidades agênero (sem gênero), bigênero (ambos os gêneros), de gênero neutro, fluido ou qualquer outra identidade fora do espectro masculino-feminino. 

 Segundo pesquisa realizada na Faculdade de Medicina de Botucatu, no interior paulista, no ano passado, a proporção de cidadãos identificados como transgêneros ou não binários na população adulta brasileira é de aproximadamente 2%, que representam quase 3 milhões de indivíduos. 

 Outros estados, como o Rio Grande do Sul, já possuem jurisprudência favorável à inclusão da não binaridade em todos os documentos. 

 Para realizar o processo de alteração de gênero e nome nos cartórios de registro civil, é necessário apresentar todos os documentos pessoais, comprovante de endereço e as certidões dos distribuidores cíveis, criminais - estaduais e federais do local de residência dos últimos cinco anos -, dos tabelionatos de protesto e da Justiça do Trabalho. 

 Na sequência, o oficial de registro deve realizar uma entrevista com o requerente. Não há necessidade de apresentação de laudos médicos e nem é preciso passar por avaliação de médico ou psicólogo. 

 Visando orientar os interessados, a Arpen editou a Cartilha Nacional sobre Mudança de Nome e Gênero em Cartório, que pode ser acessada no site da entidade, em que apresenta o passo a passo para o procedimento e os documentos exigidos. 

 "Trata-se de um documento prático, com instruções detalhadas que podem auxiliar as pessoas a realizarem o procedimento direto em cartório, sem a necessidade de ação judicial ou gastos adicionais com advogados e custas", diz Gustavo Fiscarelli, presidente da Arpen. 

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