SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Ao mesmo tempo em que a pandemia atingia o Brasil, crescia o interesse pela agricultura urbana e periurbana (no perímetro das cidades). Apesar do avanço no número de municípios que adotam essa prática, mais sustentável por manter a produção perto dos centros de consumo, ela ainda é restrita.

Essas conclusões estão em levantamento realizado pelo Pnuma (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente) em conjunto com a FGVces (Centro de Estudos em Sustentabilidade da Fundação Getulio Vargas). O trabalho buscou fazer um panorama da situação nacional desse tipo de agricultura.

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Os dados foram divulgados na quarta-feira (13). A partir de um formulário destinado a gestores municipais, o levantamento buscou entender qual era a situação da agricultura urbana em cada local. O projeto faz parte do TeebAgrifood (sigla em inglês para A Economia do Ecossistema e da Biodiversidade para Agricultura e Alimentos), financiado pelo EUPI (Instrumento de Parcerias da União Europeia).

SUL E SUDESTE MAIS ENGAJADOS

O número de respostas não foi elevado. Somente 67 prefeituras responderam o questionário, sendo 7 delas capitais (Belo Horizonte, Brasília, Fortaleza, Manaus, Recife, Rio de Janeiro e São Paulo).

Uma fatia considerável (mais de 60%) das respostas obtidas veio de cidades do Sudeste e Sul, o que é um reflexo da organização e da situação da agricultura urbana no Brasil, segundo Jay van Amstel, especialista em sistemas alimentares do programa TeebAgrifood/Pnuma.

"Já esperávamos que na região Sul e Sudeste houvesse mais respostas, por essa agenda já ter já um histórico nessas regiões e um certo pioneirismo", diz Amstel, que cita Belo Horizonte, como uma prefeitura pioneira na área, além de outras cidades com programas já chegando a 30 anos de existência.

O apelo desse tipo de agricultura pode ser correlacionado, em parte, com a concentração populacional encontrada nas regiões Sudeste e Sul, nota ainda o pesquisador. "Hoje temos milhões de brasileiros em situação de insegurança alimentar severa. Grande parte desse contingente está localizado nas periferias das grandes cidades", explica.

De toda forma, 29% das 67 cidades que responderam ao questionário começaram a dar os primeiros passos, com ações e programas de fomente a esse tipo de agricultura, de 2020 a 2022, ou seja, durante a pandemia.

Amstel associa isso à percepção da necessidade de se ter produção de alimentos mais próximo aos centros consumidores.

Covid-19

Na crise causada pela Covid-19, os níveis de desemprego foram a patamares elevados e o preço de alimentos disparou, o que levou a ainda mais preocupação com a questão do acesso à alimentação. Outro ponto que teria mostrado a importância da proximidade, avalia o especialista, foram as greves e as ameaças de greve de caminhoneiros.

Desastres ambientais também podem despertar a percepção sobre o assunto. "O caso do Rio de Janeiro é clássico. Quando acontecem deslizamentos em Petrópolis ou Teresópolis, o Rio de Janeiro fica uma, duas, três semanas sem verdura", diz Amstel. "É um acúmulo de situações. Mas a pandemia gerou essa terceira onda de agendas [ligadas a esse tipo de agricultura]."

A crise climática também é um fator que conta ao se falar da preocupação com uma maior proximidade entre produção e consumo, afinal, o transporte - em geral, rodoviário - de alimentos pelo Brasil tem um preço no orçamento de emissões de carbono.

Os dados mostram que ainda há muito campo pela frente. Somente 33% das cidades têm leis municipais relacionadas à agricultura urbana e periurbana. Além disso, 28% têm o tema como parte do planejamento urbano, em instrumentos como o Plano Diretor.

Basicamente, sem um marco regulador sobre o tema, projetos que tentam começar a fazer agricultura urbana podem acabar com a iniciativa de plantação literalmente derrubada em seguida. "Isso acontece em muitas cidades: é proibido você cultivar um terreno ocioso ou um terreno público", diz Amstel, que cita o Distrito Federal como um local onde isso costumava acontecer antes de haver legislação específica.

Terrenos públicos ociosos, por sinal, são os locais mais citados (76%) pelos gestores públicos (29 municipalidades responderam a essa questão) como aptos para a agricultura urbana e periurbana.

A maior parte dos municípios relatou possuir hortas pedagógicas e escolares, e quase metade (49%) citou horas comunitárias em espaços públicos. Há ainda uma predominância (em 77% das cidades) do manejo agroecológico ou orgânico.

Nesse contexto, uma possível tendência de "gourmetização" da agricultura e de produtos mais caros é uma preocupação, reconhece Amstel. Ele afirma, porém, que os municípios têm focado esforços na conexão entre esse tipo de agricultura e a população em situação de vulnerabilidade.

"Existe essa preocupação em deselitizar o consumo de produtos frescos e saudáveis", afirma.

O especialista cita o caso do programa Hortas Cariocas, focado em comunidades no Rio de Janeiro. Nas áreas mais pobres, metade da produção é destinada à venda e outra metade é doada para famílias em situação de vulnerabilidade ou para instituições como escolas e abrigos.

A ideia do relatório, segundo Amstel, é ajudar o governo federal a perceber as necessidades dos municípios que investem em agricultura urbana, especialmente em um momento em que a gestão federal declara como bandeira o combate à fome e à insegurança alimentar.

Governo cria plano para incentivar cultivo de alimentos nas cidades

Com a publicação do Decreto 11.700/2023 no Diário Oficial da União, o governo brasileiro instituiu na quarta-feira (13), o Programa Nacional de Agricultura Urbana e Periurbana. O decreto resulta do esforço de diálogo e articulação entre o Pnuma (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente) e os Ministérios do Meio Ambiente e Mudança do Clima, do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome e do Trabalho e Emprego.

“É verdadeiramente fantástico ver que através dessa iniciativa quatro ministérios estão trabalhando lado a lado em uma solução concreta contra a fome, para resolver as desigualdades, reduzir as emissões de gases de efeito estufa e adaptar as cidades ao clima. A agricultura urbana e periurbana vem para reduzir o aquecimento nas cidades e trazer a biodiversidade aos centros urbanos”, declarou o representante do Pnuma, Gustau Máñez Gomis.

Durante seminário realizado no Ministério de Meio Ambiente e Mudança do Clima, com os quatro ministérios envolvidos na implementação do programa, a AUP (Agricultura Urbana e Periurbana) foi apresentada como uma oportunidade de gerar renda, de ajudar as cidades no enfrentamento às mudanças climáticas e de produzir alimentos agroecológicos e orgânicos, reduzindo a necessidade de logística na distribuição de frutas e hortaliças nas cidades.

A ministra Marina Silva celebrou o tratamento transversal que os ministérios estão dando ao tema da sustentabilidade, atuando juntos para criar soluções de desenvolvimento social que ajudem no combate à mudança do clima. “Trabalhamos com a agenda do combate à desigualdade com sustentabilidade. A emergência climática agrava o problema da desigualdade, da pobreza e da fome”, destacou.

“Temos desafios novos. Chegamos a 22% de pobres no Brasil e subimos para 40%. É um número assustador. Na época do Fome Zero, a pobreza era associada a dois fatores principais: meio rural e baixa escolaridade. Ainda temos fome na área rural? Sim. Mas hoje o problema está mais presente nas áreas urbanas”, pontuou o ministro do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, Wellington Dias.

O ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, Paulo Teixeira, ressaltou a importância da AUP no resgate de culturas alimentares que se modificaram com a migração da população do meio rural para as cidades. “Através das hortas urbanas, vamos recuperar a cultura alimentar dos brasileiros, com uma reeducação alimentar. São hortas agroecológicas, a exemplo dos quintais produtivos que o presidente Lula já apoia junto às mulheres agricultoras, um programa de geração de renda. O programa de Agricultura Urbana e Periurbana está de pé e agora vai para o país inteiro”, disse.

Além das etapas de produção, processamento, distribuição e comercialização, o Decreto 11.700/2023 também contempla os processos de gestão de resíduos sólidos orgânicos. O secretário Nacional de Meio Ambiente Urbano e Qualidade Ambiental, Adalberto Maluf, destacou a gestão de resíduos orgânicos como um dos pilares no combate à crise climática e disse que 16% das emissões de gases de efeito estufa vem dos lixões. (Com agência de notícias da Pnuma)