Imagem ilustrativa da imagem DEDO DE PROSA| Simples cidade

Dia destes, enquanto dirigia, ouvi no rádio alguém falando que as coisas simples da vida são as que proporcionam as maiores alegrias. E fazia uma enquete: o que te faz ou tem feito mais feliz? Com certeza, são os momentos de simplicidade!

Fiquei com aquela pergunta na cabeça e me pus a pensar na vida e, é claro, na minha infância e adolescência, na pequena cidade onde nasci, nas coisas que tínhamos ou nem sempre tínhamos. Coisas pequenas demais, puras demais, porém, as mais gostosas. Uma viagem, por exemplo, pode nos fazer felizes, como quando vamos viajar para lugares socialmente interessantes, ver coisas novíssimas, às vezes de avião... dá uma certa ansiedade, um deslumbramento, mas alegria, alegria...

Então vem à memória certas viagens, de trem, de ônibus e às vezes de carro, sem a menor comodidade, mas com certas regalias que , além de inesquecíveis, traziam uma felicidade plena. É só lembrar do “frango com farofa” que a Tia Maria preparava com o maior gosto e era nosso lanche durante a viagem. Que momentos maravilhosos, de profunda alegria! Ou então tinha aquela garrafinha de guaraná que recebíamos no Natal e ficávamos com ela nas mãos durante a manhã toda esperando o almoço...encontra hoje algo com aquele gosto bom? Impossível!

Uma outra recordação boa era o dia de fazer pamonha. Primeiro íamos apanhar milho, na roça, depois descascar (com cuidado para preservar as palhas), tirar os cabelos... essa parte geralmente ficava para as crianças. Dava uma piniqueira só ! Mas a roda continuava com toda a família participando, crianças mais atrapalhando que ajudando, correndo pelo terreiro, sujeira de palhas no chão, milho espirrando do ralador, tacho no fogo de lenha esquentando a água; hora de “encher” a pamonha, amarrar, colocar na água quente e esperar ficar pronta para saborear. Isso é que era bom! Não sei a que comparar o momento e a pamonha, que possam ter o mesmo sabor!

Havia as brincadeiras simples também, como pular corda, jogar bolinha de gude, brincar de roda, brincar de pique, agacha-agacha, ordem, pular pauzinho, tantas outras tão singelas mas que traziam uma felicidade... Correr na grama molhada ou pisar na enxurrada após a chuva, sorrir ao vento que fazia voar as folhas e os cabelos, pescar com peneira, fugir do redemoinho, fazer desenhos no chão do quintal, balançar o mais alto possível nos balanços improvisados, subir em árvores, virar cambalhotas. Pura adrenalina, muito riso, gritos, barulho...

A hora do café na casa da vó Luiza com aquele bolo de mandioca assado na brasa... ou o pãozinho com orelhas e rabinho saído do forno de barro que a mãe fazia especialmente para nós, as crianças. Ou o livro e o caderno novo na escola. A roupa nova, tão rara!

Era bom demais passear pela praça, namorar de mãos dadas embaixo do caramanchão florido lá das Graças, voltar do ginásio em bandos, brincando, os meninos mexendo com as meninas, os corações acelerados pelas paixões adolescentes. As piadas tão bobinhas que desencadeavam uma crise de riso e a gente não conseguia parar...

Mais tarde vieram momentos felizes mas que já traziam uma carga de responsabilidade como o nascimento das filhas, a alegria de vê-las crescer, as formaturas, a aposentadoria bem sucedida, os momentos em família, os netos...

Aí, então , a vida vai se tornando muito complexa, cheia de consequências, de preocupações, de preconceitos, a gente passa a medir as palavras, as ações, perde a espontaneidade...enfim, cai na real. E é essa vida que já não tem tantos momentos felizes porque temos olhos, ouvidos e boca para todo lado, um cérebro muito crítico e um coração cheio, ocupado por tantas coisas importantes que não tem mais lugar para ser total e simplesmente...feliz.

STELA MARIA FERREIRA É LEITORA DA FOLHA

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