Na primeira metade do século XX, o Brasil foi responsável por mais da metade da oferta mundial de café.

Aqui no Paraná, com minha família já morando em Cambé desde 1954, começamos a conhecer um pouco mais de perto sobre o processo de preparar o café para ser vendido ou exportado. Isso porque, morávamos perto de algumas máquinas de café, que é como eram chamadas, na época, as empresas comercializadoras desse ouro verde.

Ocorre que, na década de 60, com todos os filhos solteiros e em casa, mamãe, sempre querendo adicionar um extra nas despesas da casa para ajudar papai no sustento da família, resolveu catar café. Isso porque algumas vizinhas já vinham fazendo isso e ganhavam um bom dinheiro.

Esse serviço implicava em várias ações: ela ia até à “maquina”, conversava com o encarregado e pedia quantas sacas desejava levar para “limpar”. A “máquina” mandava entregar as sacas nas casas, transporte que era feito por carroceiros.

Imagem ilustrativa da imagem DEDO DE PROSA| Catando café
| Foto: Marco Jacobsen

Grãos entregues, e nossa casa ficava abarrotada de sacas de café para serem limpos manualmente. Com o fruto do trabalho de mamãe e daqueles que apenas estudavam, as sacas de cafés “sujos” diminuía enquanto a de cafés” limpos” só aumentava.

Enquanto catávamos os grãos, escutávamos um amplo repertório de histórias infantis que mamãe contava para nos distrair da tarefa.

Em outras vezes, ela ligava o rádio e escutávamos muitas transmissões: musicas, noticiários, novelas, mas o mais divertido era escutar na Rádio Nacional do Rio de Janeiro as pérolas do programa “Edifício balança mais não cai”.

A tarefa de grãos de café que mamãe colocava para limparmos era de vinte litros por dia. Se tínhamos muita tarefa escolar esse tanto diminuía porque, em primeiro lugar tínhamos que fazer o dever escolar.

E assim toda a sacaria de café era esvaziada de um lado e enchida de outro até terminar toda a carga que estava em casa. Depois vinha a entrega e o recebimento do dinheiro.

Mas, como tudo tem fim, certo dia a tecnologia chegou e os catadores de café foram substituídos por uma maquina de catar café de verdade. Essa máquina tinha uma esteira que, correndo, obrigava os catadores a serem rápidos e fazia que o café caísse num saco. Nesse tempo, os catadores tinham que fazer o trabalho nas comissárias ou exportadoras (como eram chamadas as máquinas de beneficiar café), ou em armazéns das mesmas.

Penso que foi ali pelo final do século XX, que nova tecnologia brindou os comerciantes e os exportadores com uma máquina que processava a catação eletrônica dos grãos de café. E então, as comissárias e as exportadoras passaram a terceirizar esse trabalho de limpar e bem selecionar os grãos, qualidades impostas pelo mercado internacional.

Foi uma época boa que nos proporcionou muita convivência, conversas com mamãe e a companhia e interações com os irmãos...e, ainda, nos rendeu um bom dinheiro.

MARINA IRENE BEATRIZ POLÔNIO É LEITORA DA FOLHA

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