Meu pai tinha um pequeno sítio na Água do Óleo, distante 3 km de Sertaneja, perto do rio Congonhas, indo para Rancho Alegre. Moravam lá a vovó Maria, os tios, as tias e o padrasto do meu pai, nosso avô. Trabalhavam na plantação de café, algodão, mandioca, cuidavam do pomar; a vovó criava galinhas, porcos para vender juntamente com as verduras da horta.

Imagem ilustrativa da imagem DEDO DE PROSA| A fuga
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Estávamos sempre lá com o papai. Acompanhávamos o Tio Tonico quando levava o almoço na roça e, mais tarde, voltávamos para levar a ¨merenda ¨, o café e algumas delícias da vovó. Jogávamos milho para as galinhas e comida para os porcos. Brincávamos de canto e bobinho no terreirão, rastelávamos o café quando era colocado para secar, procurávamos ¨filipe¨ de café e, à noite, procurávamos vagalume. Dormíamos e acordávamos cedo. Mas, entramos para a escola e agora, só no final de semana. No domingo à tardezinha, ficávamos com a vovó na entrada do sítio esperando a ¨jardineira ¨ que nos deixava lá em casa. E quando chegava, subíamos e ela sempre brindava o motorista com uma caixa de verduras ou frutas.

Era um sábado e fomos ao sítio, o Dadá, a Idivanda, o Idivar e eu. Nessa época, eu deveria ter uns 8 anos. No domingo, a vovó combinou um programa para depois do almoço. Íamos fazer uma visita na casa da sua comadre que morava no sítio em frente ao nosso. De repente, foi me dando um aperto no coração com saudades dos meus pais e dos meus irmãos menores. No caminho, fui ficando para trás. Enquanto todos se distraíam brincando com os cachorros que vinham ao nosso encontro, voltei e peguei a estrada para Sertaneja. Andava, andava e quando ouvia barulho de carroça, carro ou caminhão, eu entrava no meio do cafezal, escondia atrás de um pé e ficava esperando. Quando passavam, voltava para a estrada e continuava a caminhar, sempre olhando para ver se a vovó tinha mandado alguém atrás de mim. Ninguém. De vez em quando, sentava à beira da estrada para descansar. Chegando perto da cidade, vi o tio Simão. Apertei o pé e entrei por uma rua desconhecida. Andei muito e fui parar na prefeitura (o papai era vereador na época), dali eu soube chegar em casa. A mamãe levou um susto quando me viu chegar sozinha, toda empoeirada, cansada e perguntou o que tinha acontecido. Respondi chorando que fiquei com saudades dela e das crianças. Quando meu tio chegou, foi aquele sermão! Os dois me dizendo que era perigoso o que tinha feito, que por ser uma criança, alguém podia ter me levado embora, que eu tinha que prometer nunca mais fazer aquilo. No começo da noite, meus irmãos chegaram do sítio. À noite, na cama, todos alvoroçados, queriam saber da minha aventura, se eu tinha ficado com medo, se tinha chorado, o que senti quando percebi que era longe, se tinha encontrado alguém na estrada, se a mamãe tinha me batido, enfim, queriam saber tim tim por tim tim. E quando todos dormiram, eu acordada, ainda pensei: se não fosse o amor que tenho pela minha família, garanto que ia ser uma surra daquelas...

IDIMÉIA DE CASTRO É LEITORA DA FOLHA