Quem já tentou debater temas controversos na internet sabe que as redes sociais são o reino do bate-boca. Diferentemente do que acontece quando se conversa pessoalmente, as pessoas não têm muitos freios quando estão atrás de uma tela, e a tendência é o debate descambar.

Não é diferente com as questões envolvendo o vegetarianismo, que tem suas próprias divergências conforme a escala de rigor em relação às suas práticas alimentares, conforme explica a professora da UFMT (Universidade Federal de Mato Grosso) Juliana Abonizio. Há desde quem se defina vegetariano mesmo consumindo carne esporadicamente até quem não goste nem de usar utensílios que já foram utilizados em carnes — passando pelos que consomem produtos derivados de leite .

Imagem ilustrativa da imagem Nutricionista esclarece dúvidas e desvenda mitos sobre o vegetarianismo
| Foto: iStock

“Uma parte, por exemplo, indica o boicote a empresas que têm produtos para o nicho vegano, mas que lucram com a crueldade animal”, explica. Ao investigar o tema, em 2012, a professora entendeu que a escolha dos vegetarianos pode transformar a carne em tabu, o que pode ser percebido como ofensivo para os não adeptos.

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Onda verde na internet

Entre os pontos que costumam gerar debate estão as questões científicas: nossa espécie precisa de carne? Vegetarianos sofrem com falta de nutrientes?

A nutricionista catarinense radicada em Curitiba Astrid Pfeiffer, autora dos livros “Detox dia a dia” e “A cozinha vegetariana de Astrid Pfeiffer”, explicou como adeptos e estudiosos do vegetarianismo veem algumas delas em entrevista à FOLHA. Veja alguns:

Somos naturalmente carnívoros

Segundo a nutricionista, se for adotada uma dieta equilibrada, consome-se “tranquilamente” todos os nutrientes necessários sem precisar recorrer à carne. “Hoje já são claros os benefícios que a alimentação vegetariana traz para a redução de vários tipos de câncer, obesidade, diabetes e doenças vasculares”, diz Pfeiffer, para quem o argumento de que o ser humano é naturalmente carnívoro não se sustenta. “Se fosse assim, todo mundo estaria vivendo na pré-história. Nossa vida hoje é outra”, diz.

Sustentabilidade

Há anos especialistas das Nações Unidas vêm divulgando relatórios e alertas sobre a necessidade de se recorrer a dietas mais baseadas em vegetais como forma de reduzir impactos ambientais da produção de carne. Os hábitos de hoje são insustentáveis para uma população que pode chegar a quase 10 bilhões em 2050. A premissa é que uma base vegetal pode alimentar mais gente, com menos recursos. “Os impactos do que comemos sobre o meio ambiente estão claros. Se as pessoas não reduzirem o consumo de carne, leite e derivados, a tendência é piorar”, diz a nutricionista.

Faltam nutrientes

De acordo com Pfeiffer, isso é verdade apenas para a vitamina B12, que está presente em maior quantidade em alimentos de origem animal e precisa ser consumida em forma de suplemento. Quanto à falta de ferro — “o maior mito”, segundo a nutricionista —, o aumento de consumo do grupo dos feijões pode prover uma quantidade do nutriente até maior do que na dieta com carnes. Pfeiffer diz que o risco de uma dieta desequilibrada não é exclusividade dos vegetarianos. Contudo, reforça que o acompanhamento profissional é fundamental.

Pouca proteína

Pfeiffer explica que uma alimentação equilibrada e sustentada em leguminosas e cereais como arroz integral, quinoa e trigo em grãos fornece uma quantidade de aminoácidos comparável à de uma dieta com carnes. Isso vale inclusive para quem faz atividades físicas e quer, por exemplo, ganhar massa magra. “Claro que há estratégias nutricionais, mas consegue-se, sim, suprir essa necessidade protéica”, diz a nutricionista.

Restrição de idade

Segundo Pfeiffer, organizações como a associação americana Academy of Nutrition and Dietetics (Academia de Nutrição e Dietética) já sustentam que dietas vegetarianas e veganas bem planejadas podem ser saudáveis mesmo para crianças pequenas e bebês — o que teria anuência também da Academia Americana de Pediatras. Para ela, as objeções de profissionais de saúde se devem principalmente a falta de atualização. “Gestantes, bebês, crianças, adultos, idosos — em qualquer faixa etária pode haver a dieta vegetariana e inclusive vegana”, defende.

DEPOIMENTOS

"Em 2015, eu, minha esposa e meu filho fizemos uma viagem para o interior do Mato Grosso, onde temos familiares que vivem em um sítio. Eles têm animais de criação. Vi que o boi tinha o mesmo comportamento dos nossos dois gatos. Tinha a mesma relação de carinho, de comunicação. Eu estava em um momento de transição e aquilo teve um efeito direto. Para mim, perdeu o sentido matar um animal para se alimentar dele quando existem outras opções. Minha esposa e meu filho também diminuíram o consumo." Gustavo Francisco, 41, administrador e motorista de aplicativo

"Virei vegetariana, há aproximadamente seis meses, por dois motivos. Pela minha saúde, pois já há estudos comprovando que vegetarianos têm menos riscos de doenças cardiovasculares. E, principalmente, pelo meio ambiente e pela liberdade animal. Acredito, e carrego isso como filosofia de vida, que meu corpo tem de ser um jardim, e não um cemitério de animais mortos. Que não preciso matar nenhum ser vivo para me alimentar, e que a natureza oferece tudo o que preciso para me alimentar de forma saudável e correta." Larissa Coli Vieira, 21, estudante de Medicina e dona de uma conta de Instagram sobre vegetarianismo (@lari.healthylife)

DIFERENÇAS

Ovolactovegetarianismo: utiliza ovos, leite e laticínios na sua alimentação.

Lactovegetarianismo: utiliza leite e laticínios na sua alimentação.

Ovovegetarianismo: utiliza ovos na sua alimentação.

Vegetarianismo estrito: não utiliza nenhum produto de origem animal na sua alimentação.

Veganismo: busca excluir todas as formas de exploração e crueldade contra os animais na alimentação, no vestuário ou em outras esferas do consumo.

Fonte: SVB