Pioneira no debate sobre direitos animais no Brasil, a doutora em Filosofia Sônia Teresinha Felipe aboliu o consumo de todos os alimentos de origem animal ainda no fim dos anos 1990 — época em que era possível contar nos dedos de uma só mão os adeptos de dietas vegetarianas ou veganas em Florianópolis, onde lecionou no curso de Filosofia da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina).
Mais de duas décadas depois, a força que o movimento vem mostrando nas redes sociais reflete um processo de mudança global que, para a professora aposentada, é inevitável e definitivo. “O que vai ocorrer é uma virada súbita na dieta onívora mortal ao redor do mundo”, defende.
Filosofa  Sônia Teresinha Felipe fala sobre relações com animais no TEDx Floripa em 2016 https://youtu.be/V7PNfZQTbns
Filosofa Sônia Teresinha Felipe fala sobre relações com animais no TEDx Floripa em 2016 https://youtu.be/V7PNfZQTbns | Foto: Reprodução Youtube
VEGANISMO NO BRASIL
Doutora em Filosofia pela Universidade de Konstanz (Alemanha) e pós-doutora em Bioética Animal pela Universidade de Lisboa, Sônia conta que o movimento ético abolicionista vegano brasileiro — “que inclui a retirada de todos os alimentos animais e itens de uso doméstico ou pessoal fabricados à custa dos animais e de sua matança” — começou em Florianópolis, na metade dos anos 1990, influenciado principalmente pelas ideias de filósofos como Peter Singer, que introduziu argumentos sobre a consciência da dor e do sofrimentos dos animais.
O debate se intensificou nos anos seguintes, impulsionado pela edição brasileira de livros como “Libertação Animal”, de Singer, e “Jaulas Vazias”, de Tom Regan — além do lançamento dos documentários “A carne é fraca” e “Não matarás” pela organização Nina Rosa, em 2005. Na mesma época, lembra Sônia, multiplicaram-se palestras também fora do meio acadêmico.
“Por isso, no Brasil, a adoção do veganismo como eixo ético de vida se deu na virada do milênio, facilitando agora, para as crianças que nascem de pai e mãe veganos, seguir no caminho vegano”, diz, em uma resposta enviada por email à FOLHA. “Com as redes sociais, as crianças e adultos acessam hoje os textos que lhes interessam para dar força à decisão de abolir da vida todos os restos mortais dos animais”, avalia.
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Onda verde na internet
Com a intensificação do debate sobre mudanças climáticas e as ameaças ambientais, o passo seguinte foi a extensão desta mesma noção de direito à vida também a corais e ecossistemas. “As décadas que se aproximam são de uma amplitude moral nunca antes alcançada pela humanidade. E, no movimento ético que este milênio desafia, todos os animais estão postos na cena como sujeitos de suas vidas. E a dieta de metade dos humanos não tem direito de destruir a vida dos outros”, explica.
Na avaliação de Sônia, a adoção da dieta centrada em alimentos de origem estritamente vegetal não é uma moda — “não é transitório, nem será apagado”, defende.
Autora de livros que sobre implicações éticas animais e ambientais do consumo de carne e leite, a professora aposentada aponta que a mudança se impõe diante de uma série de ameaças à segurança alimentar pelo mundo — catástrofes ambientais (que devastam inclusive colheitas de alimentos usados como ração para animais), organismos invasores, secas e queimadas que tornam solos inférteis.
Além da escassez, que tornará inviável a criação de bilhões de animais para a alimentação, a “virada” para a dieta vegana também é a saída para a redução de gases causadores de efeito estufa, lembra Sônia.
“A consciência do direito dos animais à vida e do não direito humano de derrotar a vida de todos os animais e ecossistemas ao redor do planeta não é algo da moda, é a consciência humana se expandindo. Ela vai se desdobrar, vai gerar novas formas de ativismo, mas não vai voltar atrás, queiram os churrasqueiros e queijeiros, quer não queiram”, diz.