Imagem ilustrativa da imagem Onda verde na internet
| Foto: Marco Jacobsen

Dieta e estilo de vida sem carne ou produtos de origem animal não são novidade, mas andam em alta nas redes sociais, impulsionados por famosos, produtos culturais e um mercado em crescimento. Adeptos e especialistas discutem o movimento mais recente que colocou termos como #vegan entre as tendências do momento.

Se você está com a impressão de que todo mês uma nova celebridade se declara vegetariana na internet, ou de que tem sempre algo relacionado ao vegetarianismo nas redes sociais, não está exagerando.

Em tempos recentes, a cantora Anitta se tornou entusiasta de alimentos sem nada de origem animal e contou que seguiu uma dieta vegana durante alguns meses. O youtuber Felipe Neto pareceu mais decidido: anunciou que estava fechando uma franquia de coxinhas e abrindo mão de um contrato de publicidade de quase R$ 500 mil porque se tornara vegetariano.

No Instagram, o termo "vegan", em inglês, tinha 84,3 milhões de publicações no início desta semana. Um arranca-rabo envolvendo a foto de um “frango vegano” postada por uma influenciadora com 34 mil seguidores esquentou o assunto no dia 9. A carne era feita de ervilha, mas muita gente não entendeu ou não gostou do nome do prato. É que o conceito de “carne vegana” não é consensual, assim como os nomes que se dão para as dietas — “vegetariano” e “vegano”, é bom lembrar, não significam a mesma coisa, como se verá a seguir.

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Caso você já tenha recorrido ao Google, acabou de reforçar uma tendência que já dura alguns anos. O buscador disponibiliza uma ferramenta que atribui números de 1 a 100 para medir o interesse por certos termos. “Vegano” saiu do índice 5, em outubro de 2012, para o ponto mais alto no gráfico em março deste ano. A busca por “vegetariano” marcava 37 de interesse em 2012 e bateu o 100 em fevereiro de 2019.

O veganismo já foi apontado como “tendência do ano” em uma variedade de situações — desde um relatório do Uber Eats até a tradicional edição de previsões da revista britânica “The Economist”. E basta olhar em volta para perceber o número crescente de restaurantes, livros de receita e canais de YouTube dedicados ao vegetarianismo.

“O crescimento é visto a olhos nus”, diz Ricardo Laurino, presidente da SVB (Sociedade Vegetariana Brasileira). A organização encomendou, em abril de 2018, uma pesquisa de opinião do Ibope Inteligência sobre vegetarianismo e descobriu que, entre 2012 e o ano passado, o percentual da população que se declara vegetariana cresceu de 8% para 16% nas regiões metropolitanas de São Paulo, Curitiba, Recife e Rio de Janeiro. No Brasil, o índice ficou em 14% — algo perto de 30 milhões de pessoas. “Mas se fizéssemos uma nova pesquisa hoje, já seria um pouco maior, não tenho dúvida”, comemora o presidente da SVB.

“A força está cada vez maior. E o Brasil tem uma característica ímpar que é o enorme uso das mídias sociais. É inacreditável como o veganismo está crescendo por meio delas”, diz Laurino, para quem as redes sociais e o YouTube estão levando a um público mais amplo informações sobre sofrimento animal e impactos do consumo de carne para o meio ambiente e para a saúde que antes acabavam ficando restritas a grupos específicos.

Este contexto — que inclui a multiplicação de documentários impactantes sobre o tema em plataformas de streaming — pode estar entre as explicações para o crescimento das razões de ordem ética na opção pelo vegetarianismo, mais frequentes hoje do que eram no passado, segundo Juliana Abonizio, professora do Programa de Pós-Graduação Estudos de Cultura Contemporânea da UFMT (Universidade Federal de Mato Grosso).

Em 2012, a pesquisadora investigou a opção vegetariana e a “tensão cotidiana” enfrentada por quem para de comer carne ou alimentos de origem animal (quem é adepto está acostumado a ter de se justificar sempre que recusa um bife no almoço de trabalho ou o peru de Natal da família).

Segundo a socióloga, o vegetarianismo ganhou força nos anos 1970 impulsionado por questões relacionadas ao meio ambiente, à saúde e aos direitos animais. A onda mais recente tem tudo isso, mas parece estar sendo reforçada pela questão ecológica, diz a professora. “Vemos um crescimento da preocupação com o desmatamento e a grande quantidade de água utilizada na produção de carne”, conta. “Mesmo pessoas que não têm uma sensibilidade específica quanto aos direitos dos animais estão deixando o consumo de carne por não achá-lo sustentável”, diz. “Elas entendem que a decisão de consumo tem um peso político.”

Abonizio conta que a percepção sobre a opção vegetariana, frequentemente confrontada como algo fora do padrão ou antinatural, mudou substancialmente desde que ela mesma deixou de consumir carne, em 1999. “Não é excludente, como já foi. Há uma integração maior”, avalia. “Mesmo nos restaurantes tradicionais cresce essa ideia de ter pratos vegetarianos ou veganos. No supermercado, há sessões de produtos que antes eram difíceis de se encontrar. Não é por bondade, mas porque o mercado quer englobar esse público consumidor”, diz.

A professora se refere, por exemplo, a casos como o da rede de fast-food Burger King, que está promovendo um hambúrguer feito de vegetais agora mesmo, no Twitter. Ou à compra da empresa holandesa de produtos vegetais substitutos de carne De Vegetarische Slager (“o açougueiro vegetariano”) pela Unilever, em dezembro de 2018.

Sócio-proprietário do restaurante curitibano Veg e Lev, que desde 2015 oferece pratos veganos, Adam Menegazzo diz que o fato de grandes grupos estarem colocando seu dinheiro neste mercado indica que o vegetarianismo deixou de ser um nicho e cada vez mais caminha para ser “mainstream”. “Não vai haver rompimento desta tendência. Eles não dão tiro no escuro”, diz. “Não é moda”, defende.

“Temos uma cliente vegana que tem 12 anos. As crianças estão entrando nessa questão da proteção animal, do cuidado do meio ambiente, e estão vindo com uma cultura diferente”, analisa Menegazzo. “Hoje, ainda existe preconceito. Pessoas leem ‘veg’ e não vêm, porque não querem comida vegetariana. Mas acredito que, daqui a cinco anos, isso vai estar muito mais disseminado. O ‘veg’ vai estar na boca de todo mundo.”