“90% dos meus clientes são cinco estrelas”, diz Francisco Benedito
“90% dos meus clientes são cinco estrelas”, diz Francisco Benedito | Foto: Gustavo Carneiro - Grupo Folha

A reportagem da FOLHA pediu um carro por meio do aplicativo Uber. Francisco Benedito chegou rápido no seu Toyota Etios Sedan, parou no ponto combinado, esperou a acomodação e já puxou conversa. “Pelo endereço que está aqui na tela do celular eu já sei para onde a senhora vai. É no mercado, não é?”, brincou com o conhecimento adquirido por meio de duas grandes experiências: vida em Londrina e profissão de motorista.

Havia acabado de anoitecer e o trânsito das 18h não perdoa. Benedito desviou por entre as ruas estreitas dos bairros que levam para a zona norte de Londrina. “Eu moro para aqueles lados (zona norte) há 40 anos, lá é muito gostoso. Eu nasci em Uraí e vim para Londrina com 8 anos”, conta com orgulho sobre ter visto a cidade crescer.

Na juventude, recorda quando começou como cobrador de ônibus até receber a oportunidade de ocupar a vaga de motorista na mesma empresa, em 1969. Foi o primeiro passo para uma vida longa por trás do volante. “Fiquei três anos, fui para São Paulo, aí gostei mais do caminhão, vai e volta para onde quiser, era uma delícia. Eu trabalhei para tudo que é lado, fui para muitos lugares desse país”, comenta orgulhoso.

Nesse período, ficava fora por aproximadamente cinco dias, mas com esse dinheiro criou os dois filhos e não dispensa elogios à esposa. “Faz 42 anos que eu casei. Parece que foi ontem e ainda estou com ela, graças a Deus. Minha vida é ela”, declara-se.

LEIA:

- As dores e os prazeres de ser motorista

- 'O que mudou a minha vida foi o caminhão'

- 'Mãetorista' plantão 24h

EXPERIÊNCIAS

Com o caminhão, Benedito viveu muitas histórias. Uma delas ele conta no percurso enquanto a voz confunde-se com o som da Rádio Folha FM tocando ao fundo, músicas que ele mesmo diz não prestar tanta atenção, mas que sempre procura colocar uma música jovem.

“Eu já vivi esse mundo, já passei por muita coisa, passei fome com dinheiro no bolso”, atiça a curiosidade de qualquer ouvinte. “O caminhão atolou na Transamazônica, eu com dinheiro no bolso, não tinha o que comer. Tinha mais caminhoneiros, a gente comia palmito, fruta de ortiga e gabiroba, que é uma fruta que dá no mato e é muito gostosa”, descreve. Foram alguns dias assim até que o barro secasse e eles pudessem seguir viagem.

Dirigiu ônibus e caminhão, mas foi com o próprio carro que se acidentou. “Eu me aposentei, mas nunca parei de trabalhar até que um dia eu vinha de Alvorada do Sul com meu carro, há dois anos, e sofri um acidente. Capotei o meu carro. Estourou o tendão do braço esquerdo e aí o médico falou que caminhão nunca mais, carro só se for direção elétrica. Então comecei a fazer uns testes com o aplicativo”, conta.

NO APLICATIVO

Como motorista de aplicativo há pouco menos de dois anos, Benedito também já coleciona histórias. Foi atravessando a avenida Brasília que ele lembra de um caso ruim. “Eu pego gente de toda estirpe nesse carro. Um dia entrou ladrão, falou para eu descer uma rua, como eu moro aqui em Londrina há tanto tempo, eu conheço tudo, eu falei: 'não vou entrar nessa rua, porque eu sei que não tem saída', e ele mostrou a arma. Eu arranquei a chave do carro e dei para ele”, conta. Sem reação, o bandido saiu do carro xingando o motorista.

Não foi por falta de assunto que Benedito ainda não chegou às cinco estrelas na avaliação dos passageiros. O perfil do motorista diz: “idoso aposentado e adoro pessoas educadas”. A avaliação indica 4,84 estrelas. “90% dos meus clientes são cinco estrelas”, orgulha-se. Na aba de elogios, tem como principais características: atendimento excelente, muito simpático e ótimo papo. Na última semana, um passageiro comentou: “senhor sensacional, me lembrou o meu avô.”

Mas nem todos os passageiros gostam de conversar. “Tem uns que não querem papo, ficam no celular, aí dirijo quietinho para não atrapalhar”, indica. Para ele, para ser um bom motorista, é preciso tratar bem. “Primeira coisa é cumprimentar a pessoa, ver o destino que ela vai, geralmente eu já conheço, porque eu cresci junto com a cidade”, e já vai acrescentando um novo assunto. Quando questionado se ele sempre tem um papo bom na manga, replica. “Eu não fico sem assunto não, quem quiser conversar comigo, vai conversar.”

No caminho do centro ao norte da cidade, a experiência o deixa à vontade para dirigir por Londrina, duas coisas que ele conhece bem e, mais que paixão, julga ser uma necessidade. “Não é uma diversão, é uma ocupação. Saio para trabalhar para não ir aos bares, que é para onde vão alguns aposentados. Em vez de gastar 20, eu ganho 30. É pouca coisa, mas já me ajuda”, finaliza.