O município de Londrina foi instalado em 10 de dezembro de 1934, sob o signo de sagitário. Yara Ramos nasceu em 10 de maio de 1938, sob o signo de touro.

Pela astrologia, essa não seria uma combinação perfeita, está sujeita a dificuldades, mas também aos desafios.

Foi pelos desafios que Londrina se tornou importante para Yara Ramos. E Yara, registrada como Rosa de Aparecida Ramos Teixeira, se tornou importante para Londrina como uma das primeiras mulheres a fazer sucesso no rádio, num tempo em que havia poucas comunicadoras no Brasil.

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Nascida em São Jerônimo da Serra (norte do PR), Yara Ramos - codinome místico da Rosa que tem origem rural - chegou ao município de Londrina aos 9 anos, em 1947, para morar inicialmente no patrimônio Maravilha. Com inteligência viva, aprendeu a ler praticamente sozinha e a intimidade com a leitura a levou a ser a primeira professora de uma escola municipal.

Sobre isso, na entrevista feita esta semana, ela conta que num programa de televisão viu que uma pessoa foi citada como a primeira professora de uma escola estadual do distrito onde ela passou a infância e parte da adolescência, mas enfatiza: " A primeira professorinha da escola municipal de Maravilha fui eu, aos 15 anos."

Ela ia a cavalo para a escola cortando caminho pelas matas, seguida também a cavalo pelos irmãos e parte dos alunos num trote ritmado. "O nome do meu cavalo era Tordilho e, de vez em quando, a gente ouvia na mata um esturro de onça, ruuuuuu" - diz, imitando o som que fazia os cavalos andarem mais ligeiros.

O PRIMEIRO DESAFIO

Na juventude, Yara veio morar em Londrina e trabalhou na Secretaria de Educação, na cidade que ainda tinha ruas de terra batida, mas passou por um período de depressão e voluntariamente, aos 21 anos, internou-se num sanatório, o Shangri-lá, onde foi diagnosticada com psiconeurose: "Na época, eu chorava dia e noite, então me internei espontaneamente." Foi seu primeiro grande desafio.

Desta fase, ela guarda lembranças traumáticas como as sessões de eletrochoque, mas da condição de paciente acabou passando a auxiliar os médicos, ajudando a cuidar de outros doentes. Algumas vezes convenceu pessoas a entrarem no hospital psiquiátrico sem precisarem ser obrigadas, conversando com quem manifestava resistência na portaria.

No período, também devorava os livros que encontrava na biblioteca do hospital e fazia amizades para amenizar a angústia de outros internos, como a mulher de quem queriam cortar a trança. Ela intercedeu: "Não cortem o cabelo dela, eu ajudo a pentear todos os dias." E foi criando uma rede de afetos num lugar onde havia dor.

Saiu de lá aconselhada a cursar medicina, devido ao interesse profundo demonstrado pelos outros pacientes e os livros. "Fui morar em Curitiba para fazer um curso preparatório e tentar uma vaga na Universidade Federal do Paraná, mas desisti quando visitei a faculdade e entrei na sala com os cadáveres para estudo, aquilo não era para mim. Pensei que em vez de médica de corpo, queria ser médica de almas."

O SEGUNDO DESAFIO

De volta a Londrina, nos anos 1960, ela foi trabalhar no Banco Brasul: "Por indicação do Dr. Orlando Vicentini que era o médico de um de meus sobrinhos. Antes, já havia trabalhado durante um ano no Banco Nacional de Minas Gerais, em Curitiba."

Ser mulher e bancária era uma novidade e foi mais um dos desafios encontrados em Londrina, mas ela ainda arranjou tempo para outro emprego. "Trabalhava meio período no banco e, na outra metade do dia, num escritório de advocacia. Morava com minha irmã , como era comum entre bancários e professoras que chegavam a Londrina, deixando os pais em outra cidade."

Em 1966, ela conheceu o astrólogo Vicente Vianna, que fazia um programa de rádio sob o codinome "Professor Netuno", foi sua secretária e depois passaram a ter um relacionamento. Com ele, teve sua única filha: Inajá, que lhe deu duas netas.

Em 1971, o companheiro sugeriu que ela não precisava ser secretária porque tinha conhecimento suficiente de astrologia. Nascia assim Yara Ramos, com um programa próprio na Rádio Difusora de Londrina, que ficava na rua Santa Catarina, esquina com a Mato Grosso.

O relacionamento com Vicente Vianna durou 38 anos, até seu falecimento. O programa radiofônico dura até hoje - com a transmissão do horóscopo diário, na Rádio Londrina, em três horários - e desde a estreia foram muitos desafios e conquistas, com enorme êxito, coisa incomum para as mulheres de sua geração.

Yara Ramos, no início da década de 1970, quando chegou a receber cerca de 23 mil cartas em um ano
Yara Ramos, no início da década de 1970, quando chegou a receber cerca de 23 mil cartas em um ano | Foto: Divulgação

No segundo ano de rádio, a astróloga Yara Ramos chegou a receber cerca de 23 mil cartas, uma pilha de correspondências que se vê numa fotografia no escritório onde ela atende, diariamente, a dezenas de consultas, aos 85 anos.

São décadas de cartas, e-mails e horóscopos que estão nas suas redes sociais, nas quais ela conta com ajuda extra para interagir com a tecnologia.

Uma estrela marca a vida da menina nascida na roça que colaborou com a Folha de Londrina durante décadas e chegou a ter um programa na Rádio Mulher, em São Paulo: "Eu estava lado a lado com a Hebe Camargo e cheguei a bater sua audiência", conta rindo. Mas não estava em seus planos mudar-se para a capital paulista e continuou em Londrina.

Lá se vão décadas de comunicação passada aos ouvintes com a voz firme que fez sua fama, numa detonação de que a dona da voz é uma mulher de sucesso. Além do rádio, ela também fez televisão e tem gratidão explícita pelas apresentadoras Cloara Pinheiro e Mafalda Bongiovanni - com quem trabalhou por anos, fazendo um quadro de astrologia no programa de uma das pioneiras da TV em Londrina.

Dos anos 1960 até hoje, Yara Ramos já foi ouvida em dezenas de estações de rádio pelo Brasil, chegou a ter 45 emissoras transmitindo seus programas, na fase áurea teve a Pepilon - indústria de cosméticos de Londrina - como principal anunciante. "As gravações iam para as rádios em fitas de rolo", explica, e informa que tem ali mesmo, no escritório situado no edifício da Rádio Londrina, na rua Quintino Bocaiúva, um estúdio onde grava diariamente.

O TERCEIRO DESAFIO

Hoje, sua rotina é admirável para uma mulher idosa e com problemas de saúde, como a dificuldade de locomoção: "Gravo os programas das 8 às 9 da manhã, depois inicio o atendimento a quem quer consultas astrológicas pessoalmente, até o meio-dia." Ela destaca que chega ao escritório dirigindo seu próprio carro, num sinal de autonomia.

No escritório, homens e mulheres vêm falar de seus problemas e buscar a solução. Yara atende a todos com um carinho maternal que se amplia na generosidade de quem não cultiva preconceitos.

Ela fala com a mesma empatia sobre as mulheres consideradas sérias e as prostitutas que conheceu nos primeiros anos em Londrina . "As duas coisas não se misturavam socialmente, mas era comum a gente encontrar as prostitutas nos salões de beleza e nas costureiras. A Jô, da famosa Casa da Jô, era simpática, educada e muito elegante," conta, em referência a uma das cafetinas mais conhecidas e poderosas da cidade. Por sua "casa" passaram figurões em busca de aventuras sexuais com mulheres bonitas, vindas também de outros centros.

Yara Ramos: aos 85 anos, ela continua atendendo pessoas para fazer consultas astrológicas e grava um programa diário, distribuído para emissoras de rádio
Yara Ramos: aos 85 anos, ela continua atendendo pessoas para fazer consultas astrológicas e grava um programa diário, distribuído para emissoras de rádio | Foto: Divulgação

Yara também tem livros publicados, um deles bilíngue, " Meu Canto de Amor", com poemas em português e espanhol, que ela fala fluentemente, além de "arriscar-se no inglês e compreender o italiano."

Provocada , ela aceita declamar um de seus poemas, "La Peregrina:"

"Caminar...caminar...

Por los caminos sin dueño

tan hermosos!

Mirar, mirar y meditar...

Qué habrá detrás de la montaña?

*

Los rayos del sol dentro de la tarde

en un adiós...

Son como hilos de oro!

Tejiendo entre los anhelos

verdes, de mis sueños...

Quisiera compartir contigo

el momento que pasa...

Y que quedará grabado

en la eternidad..."

Embora o teclado não permita a pontuação correta em espanhol, dá para sentir a força poética da mulher que fez várias viagens. Ela conheceu quase todos os países da Europa e da América Latina, incluindo as ilhas do Caribe.

Em cada viagem, algumas aventuras e experiências acumuladas: "Sempre trabalhei muito e ganhei dinheiro. Gastei tudo com viagens, diria mesmo que 90%", conta, enquanto ri e mostra o livro "A Grande Viagem", onde estão suas memórias.

Dos fados cantados em restaurantes de Portugal, passando por boleros no México e tangos na Argentina, ela sempre viveu intensamente. Porque, além de tudo, ela canta, até mesmo no escritório onde gravamos uma música por pura diversão.

Perguntada sobre o futuro, é assertiva: "Tenho 85 anos e meio, sou feliz, enquanto puder trabalhar, virei ao escritório e vou atender as pessoas, limpar minha casa, dirigir meu carro. Antes de morrer, que eu jante, deite e durma, quando acordar, estarei nos braços de Deus", profetiza, enquanto declama mais um poema em espanhol, ainda em Londrina, mas sonhando com Madri.