Um espetáculo cintilante, um filme tão deslumbrante quanto desigual, no qual a invenção barroco-delirante da direção procura harmonizar com a recriação grosseira do drama de um mito atormentado.

As ambições do diretor Baz Luhrman são como sempre grandiosas. Em “Elvis”, por duas horas e trinta e nove minutos, ele segue a vida de Presley (Austin Butler, magnético) desde a adolescência “possuida pela negritude” até seus últimos dias como um viciado em anfetaminas, fisicamente disforme e tão exausto que nem consegue segurar seu próprio microfone. Não é só por aí que Luhrmann vai. Ele também conta a história do picareta Coronel Tom Parker (Tom Hanks), empresário de Presley, retratado como um vilão intrigante que nunca perde oportunidade de ganhar um dinheirinho e coloca os cifrões acima da felicidade de seu boneco-pupilo. E ainda almeja mostrar como a América mudou durante a carreira de Presley, dos anos 1950 aos 70, especialmente para os negros, que Presley tanto apoiou e de quem tanto assimilou influencias.

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O estilo de Luhrmann, outro ilusionista, só é eficaz quando ele lida com emoções amplas e desgarradas. Em “Moulin Rouge!” ou em “Romeu + Julieta”, contos de amor desesperado à primeira vista, seus ritmos explosivos e excessos românticos amplificam todo o anseio primitivo. É justamente quando ele tem que parar para contemplar sentimentos mais sutis que sua confiança parece abandoná-lo. Seu “Grande Gatsby” foi um fracasso porque mostrava pouco cuidado com a vida interior de qualquer pessoa. Ele estava lá apenas para a festa. “Elvis” novamente expõe o desinteresse de Luhrmann em cavar abaixo da superfície, mesmo retratando uma América reacionária e antropofágica.

A história de Presley é contada em uma escala de novela, altos ou baixos miseráveis, e muito pouco entre eles. A relação entre Parker e Presley parece inexplorada, com Presley, de outra forma inteligente, apenas débil e escravizado por um homem claramente manipulador.

Já faz quase uma década desde o último filme de Baz Luhrmann. Qualquer pergunta sobre se o tempo possa tê-lo suavizado é respondida nos primeiros minutos de “Elvis”; Mesmo para os padrões usuais de Luhrmann, o primeiro ato desta cinebiografia é frenético, com acrobacias cinematográficas. Edição metralhador-montanha russa. Sequências de sonhos. Sequências animadas. Movimentos de câmera de loop (clipes curtos em uma sequência interminável). Trilha sonora moderna incongruente. Sem freios, ele imediatamente põe o pé no aceleradoror e sai desabalado pela vida de Elvis Presley. É um passeio vertiginoso, às vezes se movendo rápido demais para que seu público tenha mais do que um olhar passageiro de seus personagens. Em cenas sobre Presley tirando músicas da boca de artistas negros, Luhrmann não dá a um único artista negro uma voz significativa, uma ironia preciosa para estabelecer um contexto politico social não panfletário.

Se o filme tem excessos visuais, por outro lado a interpretação de Austin Butler como Elvis é uma espetacular mimese de gesto e voz
Se o filme tem excessos visuais, por outro lado a interpretação de Austin Butler como Elvis é uma espetacular mimese de gesto e voz | Foto: Divulgação

LENDAS DO PALCO

Hollywood já explorou o gênero biopic musical tanto quanto possível. Dificilmente passa um ano sem a biografia de um superstar da música mostrando sua ascensão ao sucesso e sua queda em desgraça. Esses filmes geralmente nada mais são do que o

mecanismo para os estúdios conseguirem indicações ao Oscar para o ator ou atriz da hora (e o departamento de maquiagem), mas nunca se percebe a visão de um diretor, capaz de colocar sua marca na narrativa da vida, e não apenas da lenda do palco.

Claro, quando você vê que a cinebiografia de Elvis Presley é dirigida por Baz Luhrmann, você espera mais personalidade do que em filmes pálidos como “Bohemian Rhapsody” ou “Johnny e June”. Visualmente, “Elvis” é um exercício de estilo barroco como raramente foi visto em um filme de Hollywood. Luhrmann vai além do esteticismo de “Moulin Rouge” e faz com que as duas horas e meia de Elvis, com seu ritmo frenético e a quantidade infinita de informações sejam ao final excessivas. A verdade é que essa sensação de desmeddida aglutinação formal, em que abundam as transições forçadas, os movimentos bruscos de câmera e o excesso de luz e cores de cada sequência tornam o filme cansativo.

Se algum elemento consegue de fato se destacar neste extravagância desmedida, neste monumento ao excesso visual, é, sem dúvida, a interpretação de Austin Butler, que se transforma completamente em Elvis. obtendo uma espetacular mimese de gesto e voz. Às vezes, o jovem intérprete nos faz esquecer que não estamos vendo o próprio Elvis Presley, tanto nos diálogo quanto na performance musical. Esta atuação contrasta com a de Tom Hanks como Parker, forçando um sotaque sulista sem charme e atrás de quilos de prótese e maquiagem que adensam a caricatura.

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