Disponível somente em streaming, “Sempre em Frente” é um estudo geracional sensível sobre personagens tentando conviver num contexto de incerteza geral. Os exibidores locais perderam a oportunidade na hora do relaxamento da pandemia de exibir o filme - agora indisponível nas salas - os caminhos no momento são Amazon, Apple, Google Play ou Youtube.

É um dos filmes do ano, este “Sempre em Frente” (a opção generalizada para a tradução de “C’amon, C’amon”/Vamos, Vamos). Além do tema existencial tratado com muita perspicácia e carinho, oferece dois trunfos que ainda elevam a obra à condição exemplar de excelência cinematográfica.

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Um homem que nunca cuidou de ninguém deve cuidar de uma criança tão brilhante quanto problemática. A ideia não parece exatamente inovadora à primeira vista, mas o diretor Mike Mills e seu elenco a transformam em uma experiência repleta de sensibilidade, inteligência e profundidade psicológica. Joaquin Phoenix é Johnny, o jornalista investigativo que faz matérias de rádio e está montando uma pesquisa - reportagem sobre como crianças de diferentes partes dos Estados Unidos veem o mundo

e seu futuro.

Sua irmã Viv (Gaby Hoffmann, ótima) pede sua ajuda porque o marido (Scoot McNairy) está passando por profundo colapso nervoso e ela não tem com quem deixar seu filho de nove anos Jesse (o jovem inglês Woody Norma, páreo à altura de Phoenix). Apesar de ser um tipo frio e distante até então, Johnny irá de Detroit para Los Angeles e logo irá com o sobrinho para Nova York e depois para Nova Orleans. Nessas viagens e lugares, o garoto vai aos poucos se aproximando daquele adulto que tenta acompanhá-lo da melhor maneira possível em seu difícil transe familiar e também ficará fascinado com a atmosfera das gravações de áudio (os depoimentos de meninos e meninas).

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Esta é a aventura que Mills conta em seus 110 minutos simples, mas emocionalmente poderosos. Filmado com austeridade e despojamento em belo e expressivo preto e branco por Robbie Ryan, em locações urbanas de Detroit, Nova York, Los Angeles e

Nova Orleans, “Sempre em Frente” combina a história deste tio e sobrinho lidando com problemas práticos e pessoais com material documental que emerge de entrevistas que Johnny faz para seu especial de rádio. Jesse o acompanha nesses deslocamentos (ele carrega o equipamento de som e gosta de capturar a atmosfera), mas a relação entre eles se torna tensa, rarefeita e, às vezes, problemática.

Delineiam-se duas identidades nas quais convergem medos passados ​​e uma visão otimista, abordando a natureza das

relações consangüíneas contemporâneas. O ótimo roteiro do proprio diretor Mills enfatiza as emoções da dupla protagonista

através, fundamentalmente, da palavra falada. O resultado é um estudo muito sensível sobre a relação entre crianças e adultos num contexto de incerteza geral onde os medos, preocupações e sonhos uns dos outros são, na essência, idênticos. O filme parece dar um impulso à tendência, tão banal quanto irreal, que coloca os dois níveis geracionais como pólos opostos destinados a simplesmente tolerar um ao outro até que a mudança biológica ocorra.

A figura ambivalente do tio, desvinculada da hierarquia pai-filho, ajuda a refletir aquela camaradagem que Mills acredita não apenas possível, mas também desejável.

É ainda o filme perfeito para Phoenix, depois de seu Coringa com aquele brilho destrambelhado. Aqui, seu Johnny é um cara com emotividade e sensibilidade muito particulares que ele constrói com convicção e sem regozijo. Assim, um filme que tinha tudo para cair na manipulação e na demagogia é belo retrato de uma relação entre duas almas em sofrimento que procuram novas oportunidades. Emotivo, agridoce, honesto, às vezes engraçado. Mas sem jamais perder a ternura.