Imagem ilustrativa da imagem Os bastidores do “Caso Evandro”
| Foto: Marco Jacobsen

Repórter da Folha de Londrina que trabalhou na sucursal do jornal em Curitiba entre o final da década de 1980 e início dos anos 1990, Mônica Santanna acompanhou de perto os bastidores de um dos crimes mais cruéis que já aconteceram no País. A jornalista produziu diversas reportagens sobre o desaparecimento e a morte do menino Evandro Ramos Caetano, de 6 anos, que ocorreu na cidade de Guaratuba, litoral do Paraná, em 1992. Fundamentais para os desdobramentos das investigações policiais, as matérias jornalísticas assinadas por ela e publicadas pela FOLHA aparecem nos primeiros episódios da série “Caso Evandro”, lançada pela plataforma Globoplay .

A atração televisiva, que voltou a jogar holofotes sobre o crime que aconteceu há quase 30 anos, foi inspirada em podcasts produzidos pelo professor universitário curitibano Ivan Mizanzuk. Em 2015, ele começou a investigar o caso que acabou sendo abordado em 2018 na quarta temporada do “Projetos Humanos”, criado por ele com o objetivo de contar histórias reais e pessoas reais.

O “Caso Evandro” rendeu 36 episódios que somam mais de 54 horas de áudios com entrevistas e reflexões sobre o caso. A repercussão dos podcasts foi tão grande que rendeu mais de 9 milhões de downloads. Mizanzuk também colaborou com o roteiro da série da Globoplay, que tem a assinatura de quatro outros roteiristas e dois diretores, Michelle Chevrand e Aly Muritiba.

A ex-repórter da FOLHA Mônica Santanna foi uma das entrevistadas do “Projetos Humanos”. Nascida no Rio de Janeiro, criada em Brasília - cidade onde fez faculdade de jornalismo – e radicada em Curitiba, ela relembrou detalhes das apurações que fez sobre o “Caso Evandro” e que renderam a ela alguns furos jornalísticos publicados pela FOLHA.

O maior deles foi uma entrevista exclusiva feita com Beatriz e Celina Abagge, conhecidas como as “Bruxas de Guaratuba”, e que revelaram à jornalista que haviam sido torturadas para confessar à polícia que tinham assassinado o menino em um ritual de magia negra.

O “Caso Evandro” foi responsável pelo mais longo júri da história do Brasil. Após 34 dias de julgamento, em 23 de março de 1998, Celina e Beatriz Abagge, respectivamente esposa e filha do então prefeito de Guaratuba, Aldo Abagge, foram consideradas inocentes. Em 1999, o júri foi anulado, sendo retomado o julgamento em maio de 2011. No segundo julgamento, Beatriz foi condenada a 21 anos de prisão, pena que foi perdoada pela Justiça em 2016. Outros acusados de envolvimento no assassinato também foram julgados pelo crime. O pai-de-santo Osvaldo Marcineiro, o pintor Vicente de Paula Ferreira e o artesão Davi dos Santos Soares foram condenados em 2004. Já Francisco Sérgio Cristofolini e Airton Bardelli dos Santos foram absolvidos em 2005.

Em entrevista à FOLHA, Mônica Santanna comenta suas impressões pessoais sobre o crime que continua cercado de mistérios. Diversas hipóteses foram levantadas na tentativa de identificar os autores do assassinato e as motivações para o homicídio. Mas até o momento ninguém conseguiu responder à fatídica pergunta: Quem matou Evandro?

Dentre as matérias que você produziu sobre o Caso Evandro qual foi a mais importante?

A mais importante para mim foi quando consegui ouvir as duas principais acusadas, dona Celina Abagge e a Beatriz Abagge, que pela primeira vez deram a sua versão a respeito da acusação que sofriam. É a mais importante pela estratégia que montei para me aproximar das acusadas de uma maneira hoje até meio ingênua e porque foi um furo jornalístico. O primeiro furo a gente nunca esquece. E devo à Folha de Londrina esta oportunidade.

Como você conseguiu entrevistá-las?

Desde a prisão, busquei ouvi-las para darmos a versão delas. Solicitei aos advogados. As respostas eram negativas. Num dia recebi a sugestão de pauta da Secretaria de Justiça do Paraná sobre uma feira de artesanato que seria realizada nas dependências da Penitenciária Feminina com produtos feitos pelas próprias detentas. Vi uma possibilidade e comentei apenas com a minha chefe da redação. Fui acompanhar a exposição, seguida de visita. Na hora da visita, na primeira cela à direita estavam dona Celina e Beatriz. Eu escrevi um bilhete dizendo quem eu era e qual a minha intenção e dei a elas. Ficaram assustadas e achei que não tinha conseguido. Estava me preparando para sair quando veio uma pessoa dizendo que eu deveria comparecer à sala da diretoria. Ao entrar na sala, as duas estavam sentadas à frente da diretora e eu repeti o meu pedido. Elas pediram para ligar ao advogado e, na sequência, o advogado pediu par falar comigo (o celular ainda não existia...) Lembro até hoje da voz grave do dr. Moacyr Corrêa Filho me dizendo: “Aproveite e faça bom uso desta oportunidade, Mônica”. Foram quase duas horas de entrevista e depois voltei para redação. Quando conversei com a minha chefe e disse que tinha conseguido começamos a planejar a edição de domingo, com chamada na edição de sábado para o material exclusivo.

Como foi a repercussão na época em torno das matérias?

A Folha de Londrina era muito aguerrida nas suas investigações de qualquer editoria e a repercussão sempre foi grande junto às autoridades, governo e até mesmo nos outros veículos, os chamados de circulação nacional. Com o caso Evandro não foi diferente.

Você chegou a sofrer algum tipo de ameaça?

Que eu me lembro de imediato não.

Acha que a Celina e a Beatriz Abagge foram sinceras ao relatar que foram torturadas para confessar o crime?

Acredito que foram sinceras. Não me lembro de ter motivo ou qualquer evidência que mostrasse o contrário.

Acha que as matérias publicadas na imprensa ajudaram nas investigações?

Não quero ser presunçosa a esse ponto, mas acho que as matérias que produzi contribuíram sim para algumas situações e caminhos de investigação. As minhas fontes à época eram colaborativas e havia a possibilidade de trocas de informações que permitissem um melhor cenário para elaboração do material. Lembro que sempre tive o cuidado de fazer checagem e rechecagem das informações para que não comprometesse a minha reportagem ou houvesse desmentidos.

Quais são as suas impressões pessoais sobre o caso? O que acha que aconteceu com o menino?

É um caso que até hoje não consigo chegar a uma conclusão final. Tenho a sensação de que algo ainda não foi revelado.

CONTINUE LENDO:

- Promotor do caso Evandro se diz 'estupefato' com áudios que indicam tortura

- Histórico do Caso Evandro

****

Receba nossas notícias direto no seu celular, envie, também, suas fotos para a seção 'A cidade fala'. Adicione o WhatsApp da FOLHA por meio do número (43) 99869-0068 ou pelo link wa.me/message/6WMT