Impedidos de sair às ruas por causa da pandemia de coronavírus, italianos cantam e confraternizam nas janelas dos prédios  em várias cidades do país
Impedidos de sair às ruas por causa da pandemia de coronavírus, italianos cantam e confraternizam nas janelas dos prédios em várias cidades do país | Foto: Andreas Solaro /AFP

Um dos países mais afetados pelo novo coronavírus, a Itália contabilizava até a tarde de segunda-feira (16) quase 25 mil contaminados, com mais de 1,8 mil vítimas fatais. Isolados em casa devido à quarentena imposta pelo grande número de infectados, os italianos têm usado a arte e a solidariedade como escudos contra o medo e a solidão. Impedidos de saírem às ruas e confinados em cidades que determinaram o fechamento de museus, cinemas, teatros e bares, a população da Itália busca novas formas de confraternização. Fotos e vídeos de pessoas improvisando cantorias com canções típicas do país em janelas e sacadas compartilhados na internet nos últimos dias comoveram o mundo e sensibilizaram os imigrantes brasileiros.

Manfred Muss mora em Milão:  "Todos os museus, cinemas e teatros estão fechados, não tem movimento nem no quadrilátero da moda"
Manfred Muss mora em Milão: "Todos os museus, cinemas e teatros estão fechados, não tem movimento nem no quadrilátero da moda" | Foto: Arquivo pessoal

Radicado em Milão há 32 anos, Manfred Muss encontrou um cenário devastador quando retornou à Itália no mês passado após ter passado as férias no Brasil. “Milão é uma cidade turística que transpira arte e cultura. Mas todos os museus, cinemas e teatros estão fechados, assim como os restaurantes, bares e baladas. Não se encontra ninguém nas ruas, a não ser nas filas do supermercado e da farmácia, onde todo mundo é obrigado a manter uma distância média de uns dois metros um do outro. Nunca vi nada tão apavorante na minha vida”, relata o austríaco que foi criado entre Santos e Salvador.

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Ele conta que a crise vivida pelos moradores locais tem forçado os italianos a descobrirem formas de driblar o tédio e a falta de dinheiro. Ninguém pode sair de casa nem para trabalhar. Até pontos turísticos como o famoso quadrilátero da moda de Milão estão completamente desertos. Diante desta sensação de confinamento, as pessoas têm assistido filmes pela Netflix e se comunicado pelas redes sociais. "Nem meu filho e meu neto que moram a apenas 15 minutos da minha casa eu posso encontrar. A única forma de matar a saudade é por chamadas de vídeo", diz.

Diante disso tudo, as pessoas começaram a cantar nas janelas e sacadas das casas e prédios onde moram. O repertório inclui desde o Hino da Itália até canções populares. É uma forma de espantar a tristeza e de criar um novo canal de comunicação entre os vizinhos”, afirma o imigrante que trabalha com projetos de readequação de espaços.

Vinícius Bersi: "No último fim de semana, fizemos uma confraternização,  saímos nos jardins de nossas casas e levantamos um brinde à distância"
Vinícius Bersi: "No último fim de semana, fizemos uma confraternização, saímos nos jardins de nossas casas e levantamos um brinde à distância" | Foto: Arquivo pessoal

O jornalista Vinícius Bersi comenta que também ficou impressionado com a forma como os italianos estão enfrentando o período de quarentena. “Moro em Solò, uma cidade com aproximadamente 10 mil habitantes, há três anos e meio. Até a semana passada eu conhecia apenas três vizinhos do condomínio. Mas neste último final de semana fizemos uma confraternização. Saímos nos jardins de nossas casas e levantamos um brinde à distância. Quem ainda não se conhecia se apresentou aos gritos, disse de onde veio, com o quê trabalha. Sinto que estamos criamos uma rede de solidariedade. As pessoas se oferecem para ir ao supermercado fazer as compras para as pessoas mais velhas que são consideradas do grupo de risco maior de agravamento da doença. E é comum vermos crianças pintando cartazes que são colocados nas fachadas das casas com frases de apoio que afirmam que tudo dará certo.”

“Esta semana uma vizinha que mora numa casa acima da minha fez lasanha e, como não podemos ter contato uns com os outros, ela arramou a travessa em uma corda para me entregar. É esse tipo de gesto que a gente tem visto, uns cuidando dos outros”, narra Regina Aranda, brasileira que vive em há sete anos em Castellabate, balneário localizado no sul da Itália. A jornalista que possui cidadania ítalo-brasileira enfatiza que as atitudes de solidariedade não se restrigem à atual situação vivida pelos italianos. “O povo italiano é de uma generosidade comovente desde sempre”, enfatiza.

Regina Aranda: "É emocionante ver todo o país unido para superar esta fase; no balneário onde moro toca o Hino Nacional da Itália todos os dias”
Regina Aranda: "É emocionante ver todo o país unido para superar esta fase; no balneário onde moro toca o Hino Nacional da Itália todos os dias” | Foto: Arquivo pessoal

Trabalhando como relações públicas e chef de cozinha no litoral italiano, Regina que atuava como jornalista no Brasil, torce para que os contratempos causados pelo coronavírus sejam superados rapidamente. “A gente tem vivido dias muito difíceis. E acaba adotando novos hábitos como forma de vencer o grande medo que tomou conta de todo o país. Ao mesmo tempo é muito bonito ver o patriotismo dos italianos neste momento. No balneário onde vivo, por exemplo, tem tocado o Hino Nacional da Itália diariamente ao meio-dia. É emocionante ver todo o país unido para superar esta fase. Espero que tudo volte ao normal o mais rápido possível”, conclui.

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