Se alguém tivesse dito a mim que “Ingresso para o Paraíso” é na verdade um filme que ficou enfiado numa gaveta de estúdio em 1998 e foi recuperado para que fosse visto somente agora, 25 anos depois, eu poderia acreditar sem maiores escrúpulos: a produção tem o ar ingênuo e amável do cinema romântico daquele período, mas carrega uma personalidade plana/rasa na direção e no roteiro. Parece, literalmente, algo fora de seu tempo, mas que em sua época, além do casal principal, também não teria sido nada memorável.

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É isso porque o filme, em seus movimentos iniciais, sabe exatamente onde pressionar. George Clooney e Julia Roberts são divorciados, se odeiam e constantemente trocam acusações sobre quem fez o que para arruinar o casamento. A 'screwball comedy' é maluca, rápida, mais ou menos engraçada e lembra um cinema romântico que ficou no túnel do tempo. Mas não dura muito: a toxicidade se transforma em amor e das chamas do início da metragem quase não sobram brasas no final, culminando com uma cena constrangedora e televisiva que lembra os piores modismos dos anos noventa, aquela década você acha que sente falta até que consiga lembrar do cinema que então era feito.

Em sua intenção de recuperar precisamente os 90, ele ainda traz para a mesa uma tradição que muitos de nós pensávamos ter sido esquecida e enterrada: os 'outtakes' ou tomadas falsas durante os créditos finais. Não é em absoluto uma reclamação (eles

foram substituídos pelos extras nos DVDs), mas mostra que a equipe toda do filme curtiu muito mais fazendo isso do que nós assistindo: eu até gostaria que o filme todo fosse um contínuo de improvisações por conta de Clooney e Roberts, sem que o enredo tivesse a menor importância. E mostra que o diretor, Ol Parker, de “Mamma mia! De novo e de novo”, é perito em tirar minutos de absolutamente nada.

Julia Roberts e George Clooney: atores carismáticos estão entre as  boas coisas do filme
Julia Roberts e George Clooney: atores carismáticos estão entre as boas coisas do filme | Foto: Divulgação

“Journey to Paradise” é um filme feito em 2021 para um público que não existe mais, com linguagem e enredo antiquados, mas que não consegue ajustar a nostalgia corretamente. Senão vejamos: Lily, filha de Clooney e Roberts (seus personagens têm

nomes, mas sabemos quem eles realmente interpretam), faz uma viagem de pós-graduação a Bali, conhece um rapaz fazendeiro de algas e quer se casar com ele. Os pais dela, que se odeiam, fazem um pacto para boicotar o casamento. Parece um pouco

obsoleto, mas na verdade mais do que naftalina, o tema cheira a uma previsibilidade absurda.

O filme baseia suas decisões em uma frase que o personagem de Roberts repete constantemente: "Por que deixar as coisas boas para depois?" Com essa sentença de livro de autoajuda como bandeira, “Journey to Paradise” dilui completamente qualquer

indício de realidade que possa ter em seu retrato balinês (e mais especificamente, dos casamentos tradicionais lá). Duas menções finais: a impessoalidade do diretor e a falta daqueles atores verdadeiramente carismáticos.

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