Filme surreal, " O Truque da Galinha" traz uma denúncia do machismo
Em cartaz no Cine Ouro Verde, filme do egípcio Omar El Zohairy traz uma crítica contundente num enredo hilário
PUBLICAÇÃO
terça-feira, 13 de setembro de 2022
Em cartaz no Cine Ouro Verde, filme do egípcio Omar El Zohairy traz uma crítica contundente num enredo hilário
Carlos Eduardo Lourenço Jorge/ Especial para a FOLHA
Nada de pirâmides. Ou de múmias. Ou camelos e tempestades de areia. A premissa pode parecer um pouco surreal e grotesca: família humilde de subúrbio industrial egípcio comemora o aniversário de um de seus filhos. Durante o show de mágica (atração da festa), o despótico pai do aniversariante desaparece em um dos números. Em seu lugar encontram apenas uma galinha. O que se segue é a descrição explícita das dificuldades pelas quais uma mulher, solteira e mãe de três filhos pequenos, deve passar na implacável sociedade patriarcal do país.
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O diretor Omar El Zohairy, de “O Truque da Galinha”, em exibição até esta quarta-feira (14) no Cine Ouro Verde, faz sua estreia na direção com uma proposta curiosa que foge dos clichês do cinema de critica social convencional, apostando no risco no momento de contar, quase sem palavras, e de uma perspectiva banhada em humor muito negro, um filme muito cru, mas isento de miserabilismo. E isso apesar da sujeira, da toxicidade da atmosfera, da exploração infantil, das tentativas de estupro ou da falta de proteção de um bebê recém-nascido. O segredo ? Uma abordagem diferente em que a excentricidade anda de mãos dadas com um cotidiano entre o ascético e o grotesco.
“O Truque da Galinha” denuncia duramente o machismo, mas o faz com sátira, estranheza e uma sensibilidade rara. Se alguem tem duvidas sobre o que é dramédia, o filme é este. Um filme que será sempre aquele sobre um homem que se torna uma galinha e que não serve nem para botar ovos.
Não é nem uma piada nem uma conspiração. É assim que o diretor de “Feathers/Penas” (o título internacional) define a estranha situação em que sua protagonista se encontra: o marido, durante uma modesta sessão de mágica, foi transformado em...galinha, e a familia precisa seguir em frente! E a partir de menos zero, sem dinheiro e com muitas dívidas. Sem cúmplices e, sim, com toneladas de sujeira, decepções e sangue, machismo, contas sujas e burocracia. Esta é a fantástica história de empoderamento transformador, contada com um tipo diferente de comicidade.
Uma comédia sutil, trabalhada a partir de muitos meandros da história, da imagem (por dentro e por fora) e da banda sonora, e na qual de repente se vê uma homenagem a “O Poderoso Chefão” (F.F. Coppola, 1972). Os animais, vivos e mortos, se distribuem ao longo de todo o processo de uma mulher obrigada a baixar o olhar, constituir família e mais uma vez ter uma TV em ruínas que, em tão tristes circunstâncias, é a aliada perfeita para manter as crianças fora de sua vida crua, podre. Realidade voraz.
O contraste entre o realismo ascético da encenação e o absurdo da premissa intriga e fascina em igual medida. Apesar da premissa levada com toda a seriedade, é impossível não sorrir com cumplicidade ao ver na trama as reações à maneira do cinema de Luis Buñuel. Enquanto o patrão do homem-galinha se recusa a continuar pagando seu salário, "ele não está desaparecido nem doente, apenas não apareceu para trabalhar" , amigos e familiares aconselham a infeliz mulher a procurar um "especialista".. O conselho que recebe é parar de comer frango e ovos, "até que a situação melhore".
O humor hilário e surreal logo assume tons menos humorísticos, pois mostra a luta da pobre mulher para encontrar trabalho, para não ser expulsa de casa, para alimentar os três filhos. De repente, já estamos em território do neorealismo clássico, seguindo as desventuras agora não de um patético “Ladrões de Bicicletas” (De Sica, 1948), mas de uma dona de casa desesperada, que faz de tudo, sem sucesso, para levar chocolates roubados para os filhos.
Mesmo quando o riso inicial desaparece ao ver os muitos problemas que a mulher enfrenta, a empatia se transforma em algo muito diferente quando notamos sua exasperação por ter que alimentar a referida galinha, que confinou em um quarto e a quem alimenta por baixo da porta, como se fosse um inseto kafkiano.
Em sua última parte, esta estreia notável de El Zohairy nos reserva mais uma reviravolta que, claro, não revelarei aqui, mas que consegue fechar o círculo narrativo de uma crueldade contundente, sublinhando assim o significado desta parábola feminina, familiar e materna. No final das contas, uma boa mãe sempre sabe o que é melhor para seus filhos.
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