Em seu novo livro, “Fantasmátika”, o cineasta londrinense Rodrigo Grota propõe uma teoria de aproximação entre cinema e poesia. Uma aproximação não com finalidade estética ou formal, mas “para tentar retornar ao estado original no qual tudo existe de forma incompleta e descontinua”.

Publicado pela editora Grafatório, a obra será lançado na próxima sexta-feira (15), às 19h, no Sesc Cadeião. Fruto de tese de doutorado apresentada na Universidade Estadual de Londrina, em “Fantasmátika” Grota propõe a criação de uma

“Teoria Para um Cinema Poético”.

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Diretor e roteirista de dezenas filmes, a seguir Rodrigo Grota fala sobre sua teoria do Cinema Poético.

Em “Fantasmátika” você propõe a criação de uma Teoria Para um Cinema Poético. O que é “cinema poético”? Seria uma nova abordagem para o antigo “cinema de arte”?

Há muitas definições para o que podemos chamar de Cinema Poético, e acredito que elas não se anulam. Para mim, de forma bem simplificada, um filme se aproxima de uma linguagem poética quando ele tenta se comunicar mais pela linguagem, pela forma, do que pela trama e seus personagens. É um cinema focado na linguagem e não tanto na fábula a ser desenvolvida. Para esse cinema que reconheço como poético, o que importa é a realidade da linguagem, e não a realidade em si. Ele é diferente do antigo “cinema de arte”, que incluía também filmes mais narrativos e que se articulavam por meio de uma linguagem e uma temática rebuscadas.

No livro você defende a tese de que o cinema vive entre duas forças opositoras: o cinema especular e o cinema espectral. Como essas forças podem ser definidas?

O cinema especular, mais associado ao cinema narrativo, é aquele que segue uma lógica herdada dos princípios que Aristóteles defende em sua “Poética”. Trata-se de um cinema que se articula por meio de uma trama central; com começo, meio e fim;

arcos narrativos bem delineados; uma série de conflitos que são vividos pelos personagens protagonistas e secundários, gêneros dramáticos em destaque; e uma estrutura de roteiro na qual após o desfecho há uma espécie de mudança definitiva.

Nesse cinema especular trabalha-se com a ideia de identidade: ele é todo pensado para que o filme seja um espelho e o espectador se identifique com suas personagens – e que ao final ele passe por uma catarse. Já no cinema mais espectral, que seria mais associado ao cinema poético, temos uma articulação que se distancia da perspectiva aristotélica. Em alguns casos, não há tramas, não há desfechos. Sequer há personagens. Há formas, texturas, pulsações e tensões que se desenvolvem por meio de figuras marcadas pela ideia do não ser: são seres em permanente travessia. Não há mudança definitiva após o desfecho do filme, pois esses espectros já estão em contínuo devir.

Você já concebeu e dirigiu vários filmes e agora está lançando um livro teórico sobre a arte do cinema. Que diferença existe entre criar um filme e teorizar sobre cinema?

Acredito que sempre existe uma espécie de sintonia não muito consciente entre aquilo que nos impulsiona a realizar um filme e conceitos que nos conduzem a reflexões mais frequentes. Desde que comecei a filmar há cerca de 20 anos ficava com

essa questão: não é possível mentir para a câmera... mas há algo que ela registra e que não consigo nomear, descrever. É como se ao realizar um filme você pudesse se aventurar pelo seu próprio inconsciente de forma ativa. No entanto, ao criar uma teoria,

você articula uma espécie de mapa, uma cartografia que irá permitir o regresso a um certo mundo mágico, interno, que preserva uma verdade muito profunda sobre você.

Sou apaixonado por teorias, e amo sobretudo a experiência de fazer um filme. Escrevi esse livro pois queria de certa forma tentar organizar aquilo que sinto pelo cinema. Gosto da ideia de que o sentimento também é um pensamento. Mas filmar é como

caminhar: é uma expressão do corpo. Escrever é como imaginar que o corpo está caminhando. É uma expressão da imaginação.

Em “Fantasmátika” você revela que o cinema pode acontecer dentro do “não visível” e do “não sonoro”. Como é isso?

Acredito que o maior desafio ao realizar um filme não é filmar o que se vê. Mas sim, filmar aquilo que se quer expressar e que está além da visão do mundo objetivo. A visão humana talvez seja a nossa percepção mais associada a uma lógica causal: compreendemos a realidade por meio de uma apreensão que fazemos do real baseada em uma suposta natureza formada por causa e consequência. Tudo é explicado por meio de conexões racionais, com um antes e um depois. O conceito de Não Visível

que defendo no livro inclui tudo aquilo que escapa à nossa apreensão racional do mundo objetivo. Há uma aproximação à realidade interior de cada pessoa que podemos fazer por meio de outra abordagem. Em vez de psicologia das personagens, há as sensações.

No lugar da expressão direta de um desejo, há os vestígios. O Não Visível estaria em busca daquilo que está sempre oculto, preservado, distante e ao mesmo tempo presente, pois nesse caso trata-se daquilo que é verdadeiro, e não apenas real. Adoro a ideia de Kafka que diz: “Para ver devemos fechar os olhos”. Para filmar o Não Visível devemos não nos restringir àquilo que pode ser reconhecido. Devemos buscar a verdade de cada imagem por meio da sua contínua imprecisão. Já o Não Sonoro segue a mesma ideia, só que aplicada à concepção sonora do filme. Cage nos ensinou que um ruído também é música. Kazuo Ohno nos ofereceu a ideia do movimento a partir da imobilidade. Beckett rejeitava a palavra para expandi-la. O Não Sonoro recusa a música diegética, o som mimético e a ambiência naturalista para tentar construir a Expressão do Silêncio. Silêncio, nesse caso, não como ausência de sons, e sim como a melhor tradução de uma totalidade orgânica que não pode ser reproduzida de forma realista. O limite do meu mundo é o limite da minha linguagem, dizia Wittgenstein. O limite do Não Sonoro é justamente o da Expressão do Silêncio, o que por si só, não tem limites.

A fragmentação é uma das principais características da literatura contemporânea. Em “Fantasmátika” você afirma que a fragmentação também é uma das características do cinema contemporâneo. O que fragmentação tem a

dizer?

A nossa forma de apreender a realidade mudou nos últimos 200 anos. Se no século 19 a Fotografia permitiu que a Pintura se libertasse de um certo realismo visual e chegasse a uma estética como o Impressionismo; se no século 20 o Cinema permitiu

que o Teatro se libertasse de um certo naturalismo dramático e se aproximasse de uma linguagem tão expressiva como a do Teatro do Absurdo; no início do século 21 temos uma saturação das imagens proporcionadas pela internet e pelas câmeras digitais. Em seu filme “Adeus à Linguagem” de 2014, Godard nos sugere “como fazer um filme a partir do não pensamento”? Acredito que a melhor forma que o Cinema encontrou para conquistar sua autonomia e se reinventar nos últimos anos foi justamente essa adesão à estética do fragmento. Isso já havia ocorrido na música erudita e em um certo teatro (como o do Beckett) na primeira metade do século 20. Mas o cinema, por sua natureza realista, tende a se apresentar ao público como uma reprodução do real. A ideia do fragmento, no entanto, vem ganhando força. Um filme ainda pode ser um filme, mesmo

que não haja trama, personagem, nem imagem. O que precisa haver ainda é a linguagem, ou sua recusa, como defende Godard. O que importa, portanto, para o Cinema Poético, não é o que sabemos sobre o real; e sim aquilo que ainda desconhecemos, mas já está em nossa percepção. Daí a ideia da simultaneidade e fragmentação: tempo e espaço são apresentados a partir de outra organização estética.

O título do livro remete a palavra “fantasmático”, que significa algo do campo ilusório, imaginativo ou irreal. Você acha que uma das grandes forças do cinema reside justamente no fato dele não ser real? Dele não estar diretamente vinculado à realidade?

O cinema que me interessa é justamente esse que não se limita a uma realidade objetiva. Isso não significa que eu não goste dos filmes italianos do neo-realismo ou até mesmo de documentários. Mas eu me fascino mesmo quando observo o rosto de uma atriz, de um ator, em meio a uma composição sonora e visual muito particular. Quando isso ocorre, sinto que aquele é um mundo mágico, destituído de oposições como verdadeiro e falso, presente e ausente, belo e não belo. Neste cinema que defendo em minha teoria Fantasmátika, podemos nos aproximar de algo muito secreto e ao mesmo tempo precioso. A partir do Não Visível e do Não Sonoro, acompanhamos espectros que se movem em meio a sombras. Tudo está ali e nada de fato está ali. Não é um cinema que oferece uma ilusão de identidade, e sim um vestígio do nosso não ser. Eis o que promove a Estética do Desvio: ela nos leva à Expressão do Silêncio. Acho muito bonito quando Fernando Pessoa diz: toda arte é literatura pois toda arte é expressão do silêncio. Essa frase, que ele atribuiu ao Álvaro de Campos, mudou a minha vida. Ela abriu uma possibilidade de compreensão de algo que eu sentia, mas não sabia como descrever. Esse é o meu maior interesse no cinema: me aproximar da realidade de um filme ao ponto que não possa mais distinguir entre o real e os seus fantasmas. Em outras palavras, algo similar à máxima de Mário Peixoto, nosso primeiro cineasta fantasmátiko: “Em nenhum lugar existe tempo algum”.

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. | Foto: Divulgação

Serviço:

“Fantasmátika – Teoria Para um Cinema Poético”

Autor – Rodrigo Grota

Editora – Grafatório

Páginas – 290

Lançamento – Sexta-feira (15), às 19h

Onde: Sesc Cadeião (Rua Sergipe, 52)

Quanto – No lançamento o livro será distribuído de forma gratuita

Onde Encontrar – Pedidos podem ser feitos pelo e-mail [email protected]

Patrocínio – Promic

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